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O Tribunal Fiscal e o prazo razoável

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O tempo é um bem precioso, cada vez mais considerado importante para o benefício de todos os cidadãos e, portanto, deve ser protegido. Com base nisso, o Estado não pode mais contar com ele para resolver as diferentes necessidades que a sociedade exige. 

A justiça é uma das muitas ações reivindicadas por todos os cidadãos e não alcançará seu objetivo se for concebida sem salvaguardar a garantia de se manifestar em tempo hábil.

Em matéria aduaneira, deparamo-nos com diversas instâncias que invocam os processos para chegar a uma resolução que defina a controvérsia entre as discrepâncias que possam surgir entre o administrado e a administração, sejam elas de tratamento tributário ou infracional; e estes processos nem sempre se encontram em prazo razoável, ultrapassando o prazo de prescrição previsto no Código Aduaneiro e os efeitos de suspensão e interrupção que se lhe determinam. 

Recentemente, o Tribunal Tributário Nacional (1) se debruçou sobre esta questão, observando duas orientações quanto à garantia do “prazo razoável”, que anunciaremos, em virtude do que for decidido, como uma posição positiva e uma posição negativa.

Postura positiva 

Do voto do Dr. Miguel Nathan Licht, vê-se visão que encontra espaço para o tratamento da extinção da ação diante de um tempo que excede a razoabilidade para obtenção de resolução, considerando para isso que dentro das garantias judiciais está o do “período razoável”. 

Para tanto, o Juiz fundamentou sua posição na Constituição Nacional, em Pactos Internacionais, em decisões do Supremo Tribunal de Justiça da Nação, em jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos e em uma análise abrangente das causas que geram os atrasos observados.

Constituição Nacional e Pactos Internacionais   

"Arte. 75 inc. 22 da Constituição Nacional, dispositivo que confere hierarquia constitucional aos diversos instrumentos internacionais vinculados à proteção dos direitos humanos, impõe-nos levar em conta que o art. 8 inc. O artigo 1º do Pacto de San José da Costa Rica, sobre garantias judiciais, prescreve não apenas o direito de ser ouvido, mas também o direito de exercer tal direito com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável.” 

“Por sua vez, a arte. O artigo 25 do mesmo tratado internacional, ao estabelecer a tutela jurisdicional, assegura uma tutela jurisdicional efetiva contra qualquer ato que viole os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição Nacional, pela lei ou pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ainda que tal descumprimento seja cometido por pessoas que atuam no exercício de suas funções oficiais”. 

“É importante destacar também que o direito à obtenção de decisão judicial sem demora prévia é corolário do direito à defesa em juízo consagrado no art. 18 da nossa Constituição Nacional.” 

Supremo Tribunal de Justiça da Nação

“Nesse sentido, o CSJN chegou a afirmar que “a garantia constitucional de defesa em juízo compreende o direito de todo acusado de obter uma sentença que, definindo sua posição perante a lei e a sociedade, ponha fim ao crime”. o mais rápido possível.” possível, à situação de incerteza de restrição inegável que a persecução penal acarreta” (Decisões: 272:188; 300:1102; 332:1492 e 335:1126).

“Neste mesmo sentido, o nosso Supremo Tribunal considerou que as garantias que asseguram a todos os habitantes da Nação a presunção da sua inocência e a inviolabilidade da sua defesa em tribunal e do devido processo legal (arts. 5.º, 18.º e 33.º) da Constituição Nacional Constituição) são integradas por uma decisão judicial rápida e eficaz (Acórdãos: 300:1102 e 335:1126).” 

Ele também enfatizou que "o Estado, com todos os seus recursos e poder, não tem o direito de fazer esforços repetidos para condenar um indivíduo por um suposto crime, sujeitando-o assim a inconveniências, despesas e sofrimento, e forçando-o a viver em estado contínuo de ansiedade e insegurança, e também aumentam a possibilidade de que, mesmo sendo inocente, ele possa ser considerado culpado” (Decisões: 272:188 e 335:1126).”

“Deve-se acrescentar que a natureza administrativa do procedimento sumário não pode ser estabelecida como obstáculo à aplicação dos princípios delineados. Com efeito, o STJN acrescentaria que “[…] no Estado de Direito, a validade das garantias enunciadas no art. 8º da [Convenção Americana sobre Direitos Humanos] não se limita ao Poder Judiciário, no exercício eminente de tal função, mas deve ser respeitado por qualquer órgão ou autoridade pública à qual tenham sido atribuídas funções materialmente jurisdicionais” (Sentenças: 335: 1126).” 

Corte Interamericana de Direitos Humanos

“A Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante “CIDH”), cuja jurisprudência pode servir de guia para a interpretação dos preceitos convencionais (Acórdãos: 318:514; 323:4130), chegaria ao ponto de afirmar que “ […] [ [d]de acordo com a separação de poderes públicos existente no Estado de Direito, embora a função jurisdicional seja predominantemente da responsabilidade do Poder Judiciário, outros órgãos ou autoridades públicas podem exercer funções do mesmo tipo.”

"Ou seja, quando a Convenção se refere ao direito de toda pessoa a ser ouvida por um "juiz ou tribunal competente" para a "determinação dos seus direitos", esta expressão refere-se a qualquer autoridade pública, seja administrativa, legislativa ou ou judicial. , que por meio de suas resoluções determina os direitos e obrigações das pessoas.”

“Pelas razões acima mencionadas, esta Corte considera que todo órgão estatal que exerça funções de natureza materialmente jurisdicional tem a obrigação de adotar resoluções de acordo com as garantias do devido processo legal nos termos do artigo 8 da Convenção Americana” (CIDH). ). , Tribunal Constitucional vs. Peru, sentença de 31 de janeiro de 2001, parágrafo 71).”

“Esta primeira interpretação seria ampliada pelo mesmo Tribunal ao afirmar que “[a]inda que o artigo 8 da Convenção Americana seja intitulado “Garantias Judiciais”, sua aplicação não se limita aos recursos judiciais em sentido estrito, “mas [a] ] conjunto de requisitos que devem ser observados nas instâncias processuais" para que as pessoas estejam em condições de defender adequadamente seus direitos contra qualquer tipo de ato do Estado que possa afetá-las".

“Isto é, qualquer ação ou omissão de órgãos estatais dentro de um processo, seja administrativo, sancionatório ou jurisdicional, deve respeitar o devido processo legal” (CIDH, caso Corte Constitucional vs. Peru, sentença de 31 de janeiro de 2001, parágrafo 69). . 2; Baena, Ricardo et al. vs. Panamá, sentença de 2001 de fevereiro de 27.2; e Garantias Judiciais em Estados de Emergência (artigos 25, 8 e 9 Convenção Americana sobre Direitos Humanos), Parecer Consultivo OC-87/6 de outubro 1987, 9. Série A No. 27, parágrafo XNUMX).”

“Dessa forma, o “prazo razoável” de duração do processo a que se refere o art. 1º do art. 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos constitui, então, uma garantia que pode ser executada em todo tipo de processo, deixando aos juízes a determinação caso a caso de se houve ou não demora injustificada na decisão (Acórdãos: 335: 1126).” 

“Para tanto, na ausência de diretrizes temporais indicativas dessa duração razoável, a CIDH chegaria ao ponto de afirmar que a noção de “prazo razoável”, detalhada no art. 8 inc. 1º da Convenção, não seria fácil defini-los e depois acrescentar que “podem ser invocados para especificar os elementos que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem apontado em diversas decisões em que este conceito foi analisado, uma vez que este artigo da Convenção a Convenção Americana é essencialmente equivalente ao artigo 6º da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais.”

Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

“Segundo o Tribunal Europeu, três elementos devem ser levados em conta para determinar a razoabilidade do prazo em que o processo se desenvolve: a) a complexidade da matéria, b) a atividade processual do interessado, e c) a conduta das autoridades judiciais” (CIDH, caso Genie Lacayo vs. Nicarágua, sentença de 29 de janeiro de 1997, parágrafo 77; caso López Álvarez vs. Honduras, sentença de 1 de fevereiro de 2006, parágrafo 132) (ênfase nossa). Como bem mencionou o nosso Supremo Tribunal Federal, “tais critérios são, sem dúvida, adequados para aferir a existência de demora injustificada, dada a natureza indeterminada da expressão utilizada pela norma. Nesse [entendimento], vale lembrar o que foi afirmado por este Tribunal no sentido de que a garantia de obtenção de uma decisão sem demora injustificada [não poderia] ser traduzida em um número fixo de dias, meses ou anos (Acórdãos: 330: 3640)” (Falhas: 335:1126).

Análise de processo 

Nesse sentido, o Deputado Dr. Miguel Nathan Licht se dedica a analisar as etapas e o desenvolvimento do processo na instância administrativa. Para tanto, passamos a destacar algumas das considerações feitas em seu voto:

a) Sobre as características da matéria em apreço, afirma que “não se tratava de matéria cuja complexidade pudesse implicar que a alfândega tivesse de desenvolver a sua actividade processual, antes da resolução final, durante um período de aproximadamente vinte e quatro anos." 

b) Quanto à atividade processual do interessado, destaca os atos do administrador que praticou. 

c) Em relação à conduta levada a cabo pela autoridade administrativa, indica que “é pertinente destacar que os prazos utilizados por esta em três das diferentes fases do procedimento perante a referida instância não são conformes ao princípio da razoabilidade." Além disso, é particularmente irracional que, após o encerramento do período de julgamento e a apresentação da argumentação correspondente, a autoridade administrativa tenha demorado mais sete anos para emitir uma resolução final. Consequentemente, do exposto se conclui que, no caso em análise, houve demora injustificada no procedimento administrativo e que, por consequência, a conduta da autoridade administrativa foi incompatível com o direito ao devido processo protegido pelo art. . . 18 da Constituição Nacional e pelo art. 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos”.

Postura negativa

Por sua vez, a Juíza Dra. Claudia B. Sarquis discordou da invocação do excesso de tempo e, portanto, da afetação da garantia do devido processo legal. Para tal, ele argumentou que:

a) No caso, “tendo sido impugnadas as referidas impugnações – o que suspendeu o curso da prescrição da acção, até que “fosse proferida decisão que permitisse o exercício da acção de cobrança do imposto quando tal exercício estivesse subordinado àquela decisão” (art. 805, inc. a), do CA), (de acordo com o disposto nos arts. 803, 804 e 805, inc. a), do CA), no caso em apreço não ocorreu a extinção proposta. "

b) Da mesma forma, acrescentou a jurisprudência da Câmara, em re “Ronalb SRL c/ DGA s/Apelación”, sentença de 30 de agosto de 2023, destacando que é definitiva e na qual se decidiu rejeitar a pretensão do autor em relação à garantia de um prazo razoável, "indicando que "... embora seja verdade que a exigência de um prazo razoável é exequível para que a autoridade administrativa exerça os seus poderes, também é verdade que a sua violação não pode será sustentada pela mera comparação do decurso do tempo, pois será sempre necessário que o responsável demonstre cabalmente que o procedimento administrativo se prolongou sem justificação." 

c) Acrescentou que a teoria do “prazo razoável” abrangeria a multa (sanção penal), mas não os aspectos tributários; indicando que, “por exemplo, ainda que na esfera penal tenha sido decidido abordar a demanda nesse sentido, no aspecto tributário ela não foi resolvida da mesma forma. Nesse sentido, concordo com a interpretação empregada no caso resolvido pela Câmara F "Manufactura de Fibras Sintéticas SA v. DGA s/Apelación", sentença de 02 de dezembro de 2013, que também é definitiva. Aí se manifestou (Considerando X) “...a conclusão extintiva quanto à multa aplicada no caso em tela não afeta o aspecto tributário, pois sua aplicação se refere apenas à responsabilidade infracional, não havendo previsão similar quanto à responsabilidade tributária ( cf. TFN, Sala F, in re 'Scania Argentina SA', Processo nº 20.402-A de 20/4/2012). “O Voto do Dr. Garbarino (Considerando X “in fine”) que comento, apoiou a opinião majoritária, quanto às consequências tributárias não infratoras –por exemplo “a limitação de juros compensatórios e/ou punitivos…”- relacionadas com os processos tributários de natureza pecuniária. Ali fica expressamente esclarecido — quanto à aplicação da referida doutrina do prazo razoável aos tributos — "que este Tribunal não tem competência" em razão do princípio da indisponibilidade do crédito tributário. Concordo com esta interpretação.”

O Juiz decidiu que “à luz da regulamentação, doutrina e jurisprudência delineadas, no processo contencioso tributário deve prevalecer a vontade da lei, quando estiver em jogo – como no caso concreto que hoje nos ocupa – o princípio da legalidade tributária. legalidade."

Conclusão

Reconhece-se que a garantia do prazo razoável está imersa nos marcos normativos vigentes, oriundos da Constituição Nacional e dos Acordos Internacionais, e isso tem sido reiteradamente afirmado pela CSJN, mas aqui o que se destaca da posição positiva é a análise que se faz. Ela é realizada sobre o processo, onde a exteriorização de tempos que não se apoiam em uma lógica se evidencia em diferentes etapas para chegar a um pronunciamento prudente em termos do que cada processo deve conceber. 

Deste modo, encontra justificação suficiente para a sua aplicação do prazo razoável, não só numa visão que assenta na simples passagem de um tempo excessivo, mas também na ausência de justificação refletida através de três pontos que o voto do Dr. Miguel mostra. Nathan Licht, a saber: a) Ausência de complexidade, b) Atividade processual do interessado, e c) Conduta desenvolvida pela autoridade administrativa. Aspectos que, como aponta o deputado, encontram relevância a partir do que foi promovido pelo Tribunal Europeu, para chegar à razoabilidade do prazo em que o processo se desenvolve.

Embora o voto pela posição positiva não tenha sido apoiado pelos demais membros do Tribunal, consideramos que abre um significado notável do dever de proteger os administrados contra circunstâncias claras que possam surgir, com base nestes três tópicos que o voto destaca , além de estar diante de um período temporal específico, o que confere maior força à sua aplicação, Note-se que não se trata apenas da mera comparação do decurso do tempo, mas da demonstração de que o procedimento administrativo se prolongou sem justificação. 

Por fim, e sem prejuízo das considerações feitas pela posição negativa, quanto ao alcance desta garantia, consoante se trate de multas ou de impostos e acessórios. Um tema que merece, sem dúvida, outra análise de maior envergadura, mas tendo em conta a génese da garantia do prazo razoável que assenta no princípio do devido processo legal, é impensável que não possa ser aplicado a todos os processos, sejam eles de natureza processual. infrator ou tributário. Ressalte-se que o voto divergente na decisão, embora tenha se pautado prioritariamente na priorização do prazo prescricional e dos efeitos da suspensão decorrentes do que determina o Código Aduaneiro, em resposta à impugnação; Certamente, ao indicar que, a jurisprudência dessa mesma Câmara, no caso "Ronalb SRL c/ DGA s/Apelación" (30/08/2023), soube decidir rejeitar a pretensão da autora em relação à garantia de um pagamento razoável. período, com base no fato de que “Embora seja verdade que o requisito de um prazo razoável é aplicável para que a autoridade administrativa exerça os seus poderes, também é verdade que a sua violação não pode ser sustentada pela mera comparação da passagem do tempo, Pois será sempre necessário que o responsável demonstre cabalmente que o procedimento administrativo se prolongou sem justificação."; Fica claro, em nossa opinião, que esse recurso de extinção fica em aberto, com base nos pontos que o Deputado Dr. Miguel Nathan Licht conseguiu analisar. 


  1. Acórdão 14.05.2024/34.491/XNUMX, Tribunal Fiscal da Nação, Câmara “G”, Drs. Miguel Nathan Licht, Claudia Beatriz Sarquis e Horacio Joaquín Segura, para resolver o processo intitulado: “ACINDAR INDUSTRIA ARGENTINA DE ACEROS SA v. DGA s/apelo”, processo nº XNUMX-A.

O autor é advogado. Membro do Instituto de Direito Aduaneiro e Comércio Internacional da Associação Argentina de Justiça Constitucional.

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