Uma perspectiva entre diferentes atores
O uso da tecnologia no comércio exterior tem se mostrado um elemento vital para a criação de novas oportunidades de negócios para o setor privado por meio da melhoria da eficiência e consequentemente da redução de custos no longo prazo.
No caso do setor público, também se favoreceu sua modernização em diversas esferas, como a melhoria da gestão e distribuição dos recursos humanos utilizados nas tarefas de controle e a melhoria da gestão de riscos. Nesse sentido, a identificação de padrões que pudessem ser avaliados para posterior detecção de infrações ou crimes fez com que esses recursos humanos fossem direcionados diretamente para as áreas de risco.
A OMA e a OMC examinaram a operação de diferentes tipos de tecnologias usadas no comércio exterior, que podem ser listadas como: 1) tecnologia blockchain; 2) Tecnologia de contabilidade distribuída (DLT); 3) a Internet das Coisas (IoT); 4) big data e 5) a tão falada Inteligência Artificial (IA). O principal interesse que essas organizações têm mantido é determinar como essas tecnologias podem promover a facilitação do comércio, bem como cumprir a missão das Alfândegas no mundo (1).
Um acordo com uma visão para o futuro
No Art. 7, parágrafo 4 do Acordo de Facilitação de Comércio observamos que em termos de “Gestão de Riscos” afirma-se que “Cada Membro deverá adotar ou manter, na medida do possível, um sistema de gestão de riscos para o controlo aduaneiro…”. Por sua vez, a nível regulamentar nacional, o art. 179 do CAROU (2) em conjugação com o anterior estabelece que “A Direção Nacional das Alfândegas desenvolverá sistemas de análise de risco utilizando técnicas de processamento de dados e com base em critérios que permitam identificar e avaliar os riscos e desenvolver as medidas necessárias para os enfrentar..” Esta gestão de riscos será realizada através de procedimentos informáticos de forma a permitir “um processamento automatizado de informações".
Graças à presença destes instrumentos regulatórios, foi possível desenvolver e implementar novas tecnologias em prol da automatização dos controlos aduaneiros, simplificando e direcionando a atuação dos recursos para a deteção de alto risco, facilitando assim a movimentação de mercadorias de baixo risco. . O facto de a forma como as regras acima mencionadas foram escritas ser algo “geral” e não especificar tais ou tais tipos de tecnologias, pode sugerir que o espírito destas é de alguma forma deixar “a porta aberta” para que, no caso de No No futuro, os avanços tecnológicos poderão implicar a utilização de tecnologias diferentes das atualmente utilizadas, que já podem ser colocadas em prática segundo regulamentação, sem prejuízo do cumprimento de determinados requisitos necessários à sua implementação regulamentados por cada país.
No caso do Uruguai, o CAROU regula em seu Capítulo V os “Sistemas Informáticos”, sua utilização, medidas de segurança; os meios equivalentes à assinatura manuscrita e a admissibilidade dos registos como meio de prova (3). Nesse sentido, darei ênfase ao uso desses sistemas.
Embora em seu numeral 1 indique que serão utilizadas no registro de operações aduaneiras; Caso não estejam disponíveis “Serão utilizados meios alternativos de acordo com a legislação aduaneira.”. Mais uma vez, a ênfase é colocada na utilização de outros meios, mas que estejam em conformidade com as normas. No que se refere às medidas de segurança, elas são direcionadas não apenas aos agentes aduaneiros, mas também às pessoas vinculadas às atividades aduaneiras que estejam autorizadas no país.
Inovação aplicada às alfândegas
Graças à Internet das Coisas (4) é possível ampliar a automatização dos postos de fronteira e dos procedimentos alfandegários nos portos.
Por sua vez, por meio de inspeções não intrusivas de mercadorias realizadas por meio de scanners de raios X, os resultados dessas imagens podem ser analisados em conjunto, promovendo também a cooperação entre os países. Contudo, esta troca “automática” de imagens não é tão simples, uma vez que os diferentes sistemas de gestão aduaneira devem ser compatíveis nas suas interfaces, mantendo a privacidade das informações e a segurança dos dados trocados (5).
A questão da segurança da informação está sempre presente quando se lida com informações sensíveis. Para isso, é importante desenvolver mecanismos de confidencialidade, gerando as garantias necessárias entre todas as partes.
A análise de risco é realizada durante toda a rastreabilidade da carga, ou seja, antes da chegada da mercadoria, antes da declaração aduaneira, durante o despacho e após o despacho. A aplicação de inteligência a essa análise serviu para melhorar a seletividade em momentos de controle. Entretanto, o uso da tecnologia na gestão de riscos trouxe muitas deficiências, que devem ser superadas para uma implementação eficiente.
Hoje em dia, existem diferentes ferramentas que permitem a análise automatizada de certos atributos que são quase impossíveis do ponto de vista humano ou que levariam à ineficiência em termos de horas-homem. Uma dessas ferramentas é chamada de “OCR”, que foi desenvolvida a partir da Inteligência Artificial (doravante IA), que permite converter imagens em texto e assim analisar informações com mais facilidade.

O conhecimento sobre o que a IA representa hoje tem se disseminado pela mídia e é muito útil na hora de gerar ferramentas que facilitem o trabalho de análise. Como exemplo, podemos citar o desenvolvimento de uma ferramenta que permite obter mais rapidamente uma primeira “opinião” sobre determinadas tarefas diárias, tanto para as alfândegas como para os particulares. Nesse sentido, tem-se falado mundialmente sobre a utilidade de utilizá-lo para classificar mercadorias. Neste sentido, a empresa privada CONCEPTO está trabalhando em um sistema inteligente de gestão de medidas tarifárias, que apoia a correta classificação das mercadorias na subposição nacional (6).
Esse tipo de ferramenta, que poderia ser utilizada como um parecer adicional à análise realizada, também poderia ser útil para as empresas, pois melhoraria o cumprimento das obrigações fiscais evitando divergências em suas declarações e custos, já que um pagamento incorreto de impostos pode gerar multas e atrasos.
Junto com a IA, o blockchain revolucionou os esquemas desde seu surgimento. Essa tecnologia, comumente associada às criptomoedas, foi estendida para múltiplos usos no comércio internacional, um dos quais também é o gerenciamento de riscos e a rastreabilidade nas cadeias de suprimentos.
Foram realizados diversos projetos piloto, que também foram possíveis graças à qualidade e autenticidade das informações compartilhadas e/ou trocadas entre as diferentes partes envolvidas na cadeia. Dessa forma, esse tipo de tecnologia consegue evitar vieses ou alterações nos dados fornecidos, garantindo assim a rastreabilidade e a integridade do documento.
Outro aspecto muito importante é a disponibilidade em tempo real das informações a serem trocadas: características que favorecem muito a transparência e evitam falsificações e alterações, contribuindo para o cumprimento.
Um exemplo desse tipo de tecnologia é a implementação do Certificado Digital de Origem, onde houve avanços em alguns países, como em Cingapura, onde todas as informações relevantes podem ser acessadas por meio de um código QR.
Para implementar esses avanços tecnológicos, não é necessária apenas uma infraestrutura digital; desenvolvimento de recursos humanos e econômicos especializados, mas também de um arcabouço legal que permita sua implementação.
Em tempos em que a tecnologia avança mais rapidamente que as regulamentações, é necessário contar com uma legislação dessa natureza que permita a adaptação às necessidades e a automatização, favorecendo a facilitação do comércio e alocando recursos, muitas vezes escassos, para a detecção de ameaças. Abordar fragilidades, buscar gerar conformidade nos administrados e utilizar a inovação para melhorar a organização são premissas a serem consideradas em prol de um alinhamento efetivo com as constantes mudanças tecnológicas no âmbito do comércio internacional.
- “O papel das tecnologias avançadas no comércio transfronteiriço: uma perspectiva aduaneira”. OMC e OMA, 2022 https://www.wto.org/spanish/res_s/publications_s/wcotech22_s.htm
- Código Aduaneiro da República Oriental do Uruguai. Lei 19.276 de 2014
- Artes. 180 a 183 da Lei 19.276 do Código Aduaneiro da República Oriental do Uruguai.
- A “Internet das Coisas” (IoT) refere-se à rede coletiva de dispositivos conectados e à tecnologia que facilita a comunicação entre os dispositivos e a nuvem, bem como entre os próprios dispositivos. Um sistema comum de IoT funciona coletando e compartilhando dados em tempo real. https://aws.amazon.com/es/what-is/iot/#:~:text=El%20t%C3%A9rmino%20IoT%2C%20o%20Internet,como%20entre%20los%20propios%20dispositivos.
- Conclusões alcançadas no relatório OMC-OMA https://www.wto.org/spanish/res_s/booksp_s/wcotech22_s.pdf
O autor é formado em Relações Internacionais pela Universidade da República do Uruguai. Com especialização em Logística Integral pela Universidade Católica de Córdoba, Argentina. Dedicada ao comércio exterior desde 2011, atua na Divisão de Inspeção da Área de Controle e Gestão de Riscos da Direção Nacional de Aduanas do Uruguai desde 2014. Recebeu treinamento em pós-controle pela Organização Mundial das Aduanas em 2016 e foi palestrante sobre o tema em diversos workshops e seminários para países da América Latina e Caribe. De 2022 a 2023, ela participou de missões da OMA, prestando assistência técnica em auditorias pós-liberação. Paralelamente, foi palestrante sobre questões de risco em outros postos aduaneiros como o SUNAT em 2021, apresentando “Fraude comercial segundo a OMA e suas manifestações mais significativas","Novos desafios em risco"perante o Secretário de Inteligência Estratégica do Estado do Uruguai (SIEE) e recentemente em 2025 a respeito de"Atividades da Direção Nacional das Alfândegas. Área de Controle e Gestão de Riscos. Divisão de Inspeção" no âmbito do Projeto de Cooperação para a Segurança Econômica e Financeira e Combate ao Crime Organizado (SEFILAT).
Os acontecimentos atuais e o constante avanço tecnológico também a motivaram, por isso ela se capacitou no uso de novas tecnologias que promovem a facilitação do comércio, participando de vários workshops sobre inovação em facilitação do comércio organizados pela Aliança Global para Facilitação do Comércio.