Antes de mais, importa esclarecer que esta coluna de opinião analisa apenas a limitação das Câmaras Aduaneiras do Tribunal Tributário para se pronunciarem sobre a falta de validade constitucional das leis tributárias ou aduaneiras e suas regulamentações, sem se deter na sua análoga proibição do direito imposto (por exemplo, art. 185 da lei 11.683).
Definido o tema, para fixar a questão a ser desenvolvida, vale lembrar que o art. 1164 do Código Aduaneiro estabelece que a decisão do Tribunal Tributário não pode conter declaração sobre a inconstitucionalidade das leis tributárias ou aduaneiras e seus regulamentos, salvo se a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o tiver previamente declarado, neste caso, a interpretação feita por aquele Tribunal pode ser seguida.
O Tribunal Tributário Nacional foi criado pela Lei 15.265 em 1959 e durante suas primeiras cinco décadas de existência seus Integrantes não questionaram a validade da limitação contida no art. 1164 do Código Aduaneiro, porém, há alguns anos, essa situação mudou.
Não pretendo abordar cada uma das razões pelas quais os diferentes Juízes consideraram que a limitação contida no art. 1164 do Código Aduaneiro ao procedimento aduaneiro perante o Tribunal Tributário Nacional, sendo para tal aconselhável a leitura atenta de cada voto.
No entanto, vale lembrar que no contexto do caso “CARGILL SAC e I. (TFN 28.754-A)” (1), o Juiz Pablo Adrián Garbarino sustentou, em resumo, que o art. 1164 do Código Aduaneiro poderia afetar a garantia da dupla instância e, portanto, impediria a tutela jurisdicional efetiva (2), contrariando - de alguma forma e segundo sua interpretação retórica - o disposto no art. 18 da Constituição Nacional e nas Convenções Internacionais de Hierarquia Constitucional (3).
Alguns anos mais tarde, no contexto do caso “TRANSPORTADORA DE GAS DEL SUR SA (TF 38.422-A)” (4), o Conselheiro Fiscal Juan Manuel Soria Acuña, se pronunciaria sobre o assunto, trazendo à tona o caso “FREYTAG ET AL. V. Commissioner of Internal Revenue, 501 US 868 -1991- IV-C” da Suprema Corte dos Estados Unidos (5).
Por fim, ainda que a posição dos ilustres Deputados Christian Marcelo González Palazzo e Miguel Nathan Licht tenha sido a de manter a plena vigência do art. 1164 do Código Aduaneiro, não pode deixar de ser mencionado o precedente “NUTRIBRAS SA” (TFN 38.758-A)”(6).
O abaixo assinado deverá declarar previamente que subscreve a posição contida nos votos dos Drs. Christian Marcelo González Palazzo e Miguel Nathan Licht e que acrescenta ainda ao debate uma questão processual omitida por todos os Deputados, que consiste em considerar que a limitação do art. O artigo 1164 do Código Aduaneiro é voluntário para os cidadãos em quase todos os casos(7).
Com efeito, como argumentei no XIII Congresso Internacional de Direito Aduaneiro realizado na cidade de Buenos Aires nos dias 10 e 11 de agosto de 2023, o art. O art. 1132 do Código Aduaneiro permite ao contribuinte optar entre recorrer da resolução aduaneira, dirigindo-se ao Tribunal Fiscal (e discutindo as suas regras de jogo) ou se prefere apresentar uma reclamação contenciosa e, com isso, dirigir-se ao tribunal onde pode levantar a questão da inconstitucionalidade de qualquer norma.

Assim, sustentei e sustento que, em todo caso, estamos diante de uma “autolimitação” e que a validade do limite do art. 1164 jamais poderia ser questionada. XNUMX do Código Aduaneiro, cumpre destacar que a solicitação de jurisdição perante o Tribunal Tributário é facultativa para o litigante (ou seja, o Tribunal Tributário é uma faculdade que se soma à fiscalização judicial do ato administrativo).
Não me escapa que a acusação formulada nos termos do art. 9, Ap. 2, sec. d) do Código Aduaneiro só cabe recurso nos termos do art. 1132 Seção 2 do Código Aduaneiro (ou seja, apenas o caminho para o Tribunal Fiscal seria permitido), mas não é menos verdade que o art. O artigo 1034 do Código Aduaneiro estabelece que em todas as apresentações em que sejam levantadas ou discutidas questões jurídicas, no âmbito do procedimento aduaneiro, será obrigatória a representação legal.
Consequentemente, nestes casos, sendo a análise da constitucionalidade das normas uma questão meramente jurídica, o cidadão procurará a justiça, nestes casos, sempre com representação legal, com tudo o que isso implica, desde a sede administrativa, perante a Alfândega.
Deve esclarecer-se, então, que a orientação do advogado patrocinador ao administrador não se limita à substância da questão, mas também aos meios processuais (formas) para fazer valer a pretensão, pelo que se deve prever que tecnicamente nem sempre é conveniente contestar (usando o art. 1053 e seguintes do Código Aduaneiro), mas em certos casos pode ser uma opção melhor “pagar e repetir” (usando o mecanismo do art. 1068 e seguintes do Código Aduaneiro). Isto especialmente tendo em conta que a resolução administrativa aduaneira que eventualmente indeferir a repetição é passível de recurso nos termos do art. 1132 Seção 1 do Código Aduaneiro, salvaguardando assim a possibilidade de recorrer à via judicial (art. 1132 Seção 1b do Código Aduaneiro) quando o litígio depender de eventual declaração de inconstitucionalidade, não previamente declarada pelo Supremo Tribunal.
Dada esta posição, também não me escapa que quando o administrador opta por pagar e repetir, ele tem que pagar o dinheiro -antes- que o fundo seja resolvido, o que equivaleria a endossar a aplicação do "solve et repete". .
Sobre o “solve et repete”, vale ressaltar que ele nasceu no ano 70 a.C. na Sicília (Roma antiga), onde um pretor chamado Verre foi creditado por colocá-lo em prática de forma arbitrária, submetendo a propriedade dos habitantes à posição dos publicanos, pignoris capti, e forçando os contribuintes a promover a ação para obter a ilegitimidade do pignoris capio (8).
Mas a regra solve et repete não é em si contrária aos direitos de igualdade e de defesa em juízo (artigos 16 e 18 da Constituição Nacional) e é conveniente reconhecer, em princípio, a validade das normas que estabelecem a exigência de pagamento prévio para intervenção judicial e a necessidade de atenuar esta exigência em casos excepcionais que envolvam situações financeiras específicas dos obrigados, de modo a evitar que esse pagamento prévio resulte numa real violação de direitos (9).
Nesta ordem de ideias, vale lembrar que já em 1989, no âmbito do processo intitulado “MICROÓMNIBUS BARRANCAS DE BELGRANO SA. S/ DESAFIO”, o Supremo Tribunal estabeleceu que: “(…) As Leis 18.820 e 21.864 não violam o art. 8°, inc. 1°, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos se o recorrente nem sequer alegou que lhe seria impossível, em razão do montante excessivo do depósito, interpor o recurso previsto na legislação em questão, de tal forma de modo a impedir efectiva e eficazmente o exercício do seu direito (…)”(10).
Sendo assim, presumo que o que foi afirmado pode parecer desagradável, talvez até uma política legislativa questionável, mas isso não o torna ilegal, uma vez que foi endossado pela doutrina de longa data do nosso mais alto Tribunal. , o Honorável. Supremo Tribunal de Justiça.
Como profissionais do direito, devemos admitir que o sistema jurídico às vezes não é o que esperamos, mas, entendido como um todo, ele nos diz as regras do jogo.
Sendo essas normas – no seu conjunto – harmônicas e coerentes, sua ilegalidade somente deve ser declarada quando violem garantias constitucionais, situação que não se verifica no caso em apreço.
Com efeito, declarar ilegal o sistema que o Código Aduaneiro nos traz, neste cenário particular, implicaria, segundo a minha forma de ver o direito, erradicar a doutrina do solve et repete e substituir a norma escrita e positiva pelas nossas crenças e valores éticos. . .
O sistema legal, repito, pode parecer inconveniente, mas é indubitavelmente legal. E quando uma regra é inconveniente, mas legal, é apropriado apelar ao Congresso e não aos juízes.
Concluo, portanto, que o Tribunal Fiscal não pode decidir sobre a falta de validade constitucional das leis tributárias ou aduaneiras e suas regulamentações, exceto em dois casos:
(1°) quando a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o tiver declarado anteriormente, podendo, nesse caso, seguir a interpretação por ele feita.
(2°) quando houver restrição “real” ao direito de defesa e às garantias constitucionais e não autolimitação do litigante, situação que só poderá ocorrer nos casos em que o próprio administrador esteja impedido de pagar e repetitivo (por exemplo, quando se discute uma multa automática).
O Tribunal Tributário é órgão do Poder Executivo e este não pode declarar a inconstitucionalidade das normas, pois isso implicaria em violação ao sistema republicano de governo, baseado na separação de poderes.
Na verdade, o Tribunal Tributário Nacional é definido como "(…) um órgão autônomo, especializado em matéria tributária e aduaneira, que se ocupa da resolução de recursos interpostos pelos contribuintes contra atos expedidos pela Administração Tributária Federal -DGI e DGA- (..)" . Isso significa que depende do Ministério da Economia, enfim, do Poder Executivo.
Não obstante o acima exposto, seus Membros, na opinião dos abaixo assinados, são, em substância, Juízes.
Claro, juízes muito particulares, porque dependem do Poder Executivo e não do Poder Judiciário.
E os juízes, sejam eles de quem forem, também estão vinculados às regras que emanam das leis de substância e de forma, que estabelecem o que podem e o que não podem fazer, dependendo de cada caso.
Admitir que um juiz, em sua missão de fazer justiça, esteja autorizado a fazer o que não está legalmente autorizado a fazer, invocando garantias genéricas, não é apenas perigoso, mas contrário ao direito.
Por fim, gostaria de esclarecer que o exposto acima não implica em descrédito dos Deputados ou da delicada função que desempenham, muito pelo contrário.
Os Membros do Excelentíssimo Tribunal Tributário da Nação são Juízes especializados, cujas sentenças costumam ser estudadas por sua riqueza técnica.
Contudo, uma coisa não exclui a outra e, apesar dos esforços argumentativos contidos nas decisões individuais ut supra, continuo convencido de que elas não podem declarar a inconstitucionalidade das leis, pelo menos, nos casos em que os administrados poderiam - em alguns casos forma - optar por recorrer aos tribunais, aos quais cabe a delicada tarefa de exercer o controle constitucional.
- Frase do ano 2012
- CORONEL DE LA TORRE, Felipe, “O controle de constitucionalidade no Tribunal Tributário”, publicado em https://aduananews.com/ o 29 / 07 / 2020
- Não há nenhuma regra no Código Aduaneiro que proíba o Membro de declarar não convencionalidades. No entanto, cabe mencionar que mediante parecer consultivo (OC-22/16) de 26 de fevereiro de 2016, foi resolvido que o artigo 1.2 da Convenção Americana somente estabelece direitos em favor das pessoas físicas, de modo que as pessoas jurídicas não são titulares dos direitos direitos consagrados no referido tratado. Assim, após o voto do Dr. Pablo Adrián Garbarino no âmbito do caso “ABB SA (TF 35.759-A)” (de 13 de maio de 2019), o Tribunal Tributário da Nação teria a obrigação de cumprir essa decisão. da Corte Interamericana e, portanto, não poderia declarar não convencionalidades quando o ator fosse uma pessoa jurídica (em geral, a maioria dos importadores e exportadores são pessoas jurídicas).
- Julgamento do ano de 2019.
- Para maior brevidade, remete-se para a publicação do mesmo autor, -in re- “Controlo de constitucionalidade pelo Tribunal Tributário Nacional. Inconstitucionalidade dos arts. 1164 do Código Aduaneiro e 185 da Lei 11.683 (até 1998) – Dr. Juan Manuel Soria Acuña (Membro da HTFN)”, publicado em https://www.mercojuris.com/ em 15/03/2021
- Julgamento do ano de 2021.
- A este respeito, veja-se em https://www.mercojuris.com/ duas publicações de minha autoria intituladas “Da declaração de inconstitucionalidade no âmbito do procedimento aduaneiro perante o TFN – Multas automáticas” e “Poderes da autoridade tributária para aplicar sanções: Comentário ao acórdão do caso “Nutribras S.A.” (TFN Não. 38.758-A)” , s. 14/5/21” de 20/06/2020 e 21/05/2021 respectivamente.
- TAMAGNO, ROBERTO, “Enciclopédia Jurídica Omeba” (1958) Editar. Argentina Bibliográfica, Vol. VIII, p. 779.
- Do parecer do Procurador-Geral da República a que se refere o Supremo Tribunal no âmbito do caso “GIABOO SRL S/ RECURSO DE QUEJA”, G. 360. XLIX. REX, sentença de 10/11/2015. Em sentido semelhante, veja CSJN, Decisões: 333:2251; 333:161; 331:2480; 330:2739 e 330:2498, entre outros.
- SCJN, Decisões: 312:2490.
- https://www.argentina.gob.ar/tribunalfiscal
Advogado (UBA), Especialista em Direito Aduaneiro (ECAE PTN), Especialista em Gestão Aduaneira (UNLaM) e Pesquisador (ECAE PTN). Professor de direito aduaneiro em níveis de graduação e pós-graduação, membro da AAEF, AIEA e do Instituto de Direito Aduaneiro (CPACF). As opiniões contidas nesta publicação são opiniões técnicas e próprias do autor, e não devem ser consideradas opiniões de nenhuma instituição à qual o profissional esteja filiado.