InícioDoutrinaAvanços na valoração aduaneira ou retrocesso no fortalecimento dos mecanismos de...

Avanços na valoração aduaneira ou retrocesso no fortalecimento dos mecanismos de combate à fraude no comércio internacional?

-

Comentário sobre a decisão: “L., FE (TF31332-A) C/ DGA s/record. direto de órgão externo (caf 19935/2023)»

    1. Introdução

    A sentença de 8 de abril de 2025 do Honorável Juiz. A decisão da Terceira Câmara do Tribunal Federal de Contencioso Administrativo de Apelações no caso “L., FE (TF31332-A) CAF 19935/2023” representa um lamentável retrocesso na defesa do controle aduaneiro e do interesse público contra esquemas de subfaturamento entre empresas relacionadas. 

    Ao revogar a decisão do Tribunal Nacional Tributário (doravante TFN), que havia confirmado a sanção imposta pela Alfândega de San Juan, nos termos do artigo 954, alíneas a) e c) do Código Aduaneiro (doravante CA), apega-se a um formalismo estéril que desarma os instrumentos de fiscalização e premia a opacidade do administrado.

    Esta postagem tentará tornar visíveis as razões pelas quais afirmo que o TFN estava correto no mérito (a questão técnica da avaliação aduaneira) e que, por outro lado, o Hon. O Tribunal de Justiça, com suas exigências excessivas de provas, trai os princípios que sustentam o regime aduaneiro argentino.

    Para aprofundar o caso, é preciso esclarecer, primeiramente, que se trata de um caso de “subfaturamento” entre “empresas coligadas”.

    A controvérsia decorre de exportações de autopeças realizadas em 2003 pela “Taranto San Juan S.A.” (doravante a exportadora ou a administradora) para empresa coligada no Brasil, com valores FOB declarados – significativamente inferiores – aos das operações com terceiros no Uruguai e Paraguai (diferenças de 21% a 1423%) e do “Anuário de Lançamentos 2003” da própria empresa (diferença de até 1700%). 

    A alfândega ajustou o valor da exportação nos termos do artigo 748, alínea a) do Código Civil, sancionando o exportador por declaração incorreta, resultando em prejuízo fiscal e ganho cambial menor do que o devido. 

    O TFN, por maioria, confirmou a Resolução nº 93/12, aplicando o Princípio da Concorrência (arts. 735, 746-748 CA; Diretrizes da OCDE) e destacou que a falta de justificativa do preço declarado pelo administrador, diante de provas contundentes, foi decisiva para a resolução do caso.

    2. A decisão da Câmara

    A Excma. A Câmara Federal de Recursos Administrativos anulou a decisão do TFN, alegando arbitrariedade e insuficiência de provas. 

    Seus argumentos — a falta de alocações comparativas, a inadequação do “Anuário” e a ausência de verificação de moeda — desmoronam sob uma análise jurídica mais rigorosa.

    As razões para as críticas serão então brevemente descritas. 

    2.1. Formalismo excessivo diante de evidências convincentes

    O Tribunal exige que a Alfândega anexe cópias das exportações para o Uruguai e Paraguai e detalhe sua "qualidade, quantidade e nível comercial", como se o padrão de preponderância, inerente à lei sancionatória administrativa, exigisse a precisão de um julgamento criminal propriamente dito. 

    Diferenças de preços (até 1423%), extraídas de sistemas oficiais como DISCOVERER e SIM ON-LINE, são indícios suficientes para suspeitar de subfaturamento entre empresas relacionadas. O que mais a Câmara precisa? Um arquivo enciclopédico quando o risco de manipulação é evidente? …esse rigor formalista ignora a realidade das operações aduaneiras e parece desconsiderar que o artigo 747 do Código Civil, especificamente, inverte o ônus da prova para o exportador nesses casos (que deve justificar o preço declarado).

    2.2. Desrespeito ao princípio da concorrência desleal

    O TFN estava certo ao invocar este princípio, incorporado ao CA desde a adesão da Argentina ao Quadro Inclusivo da OCDE (1997). As transações entre partes relacionadas devem refletir valores livres de mercado, e diferenças de até 1700% com o "Anuário" — mesmo que interno — reforçam a hipótese de distorção. 

    A Excma. A Câmara Federal de Contencioso Administrativo, ao indeferir o pedido por razões técnicas (falta de detalhamento nas comparações), desvaloriza um padrão internacional que protege a base tributária e os controles cambiais. 

    Por exemplo: se um iPhone for exportado a US$ 100 versus um catálogo externo a US$ 1.000 (diferença de 1000%), Você também descartaria isso por não incluir faturas de outros países? 

    Devemos aceitar que a resposta do sistema jurídico, assim entendida, seria absurda.

    2.3. Interpretação incorreta do artigo 954 do CA

    A Excma. A Câmara sustenta que não há "declaração inexata" porque o valor FOB corresponde às notas fiscais. Este raciocínio é errôneo: a arte. 954 do CA não penaliza a falsificação de documentos, mas aqueles declarações que diferem da realidade econômica e eles são, além disso, capaz de causar danos (entre outros efeitos possíveis)

    Se o exportador faturar US$ 100 por uma mercadoria cujo valor atual é de US$ 1.000 (como no caso do iPhone), a coincidência formal não o isenta; É uma manobra que deve ser considerada destinada a subfaturar. E a Excma. O Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão 315:929) tem enfatizado que o bem jurídico é a veracidade substancial, não a mera aparência (burocrática) que a Câmara acaba coroando.

    2.4. Inversão do ônus da prova

    A Excma. A Câmara critica a falta de pesquisa cambial, mas omite que o art. O artigo 747 do CA exige ao exportador para provar que Seu preço, em suma, não diferiu dos valores atuais determinados pelo CA

    De fato, arte. O artigo 747 do CA dispõe que “O preço pago ou a pagar será aceito e, nesse caso, as mercadorias serão avaliadas de acordo com o disposto no artigo 746, parágrafo 1, se o exportador demonstrar que o referido preço não difere substancialmente de…”. O artigo é claro ao afirmar quién você tem que tentar o que…diz que “o exportador” deve demonstrar “que o referido preço não difere de outro valor”. 

    Neste caso, pelo menos, o cliente teve anos para apresentar custos, extratos bancários ou um estudo de preços de transferência de 2003 (em suma, para provar por que havia tal diferença de preço) e ofereceu apenas uma defesa. 

    Então por que a Alfândega deveria ser uma detetive completa enquanto os administradores ficam sentados sem fazer nada? 

    A TFN entendeu isso; o Hon. Câmera, não.

    Dessa sutil, mas importante, diferença de opinião, emerge a diferença na abordagem da questão levada ao conhecimento de ambos os órgãos jurisdicionais.  

    2.5. Custos aduaneiros: um castigo imerecido

    Impor custos à ARCA é um golpe baixo. 

    A alfândega agiu de boa-fé e corretamente; detectou uma manobra que acreditava estar afetando o erário público e agiu de acordo. 

    A Excma. A Câmara a penaliza por não atender a um padrão probatório irrealista, o que também terá o efeito de desencorajar a fiscalização de operações que, a priori, todos percebem que dificilmente serão genuínas.

    2.6. O padrão de preponderância. A Honorável Câmara o trai

    A lei sancionatória administrativa exige preponderância, não certeza criminal.

    O Serviço Aduaneiro demonstrou que era mais do que provável que o exportador tivesse faturado abaixo do valor devido e que, por esse motivo, o ônus de provar a veracidade e a exatidão do preço recaía sobre o exportador.  

    A TFN viu claramente: diante de evidências claras e convincentes, era o administrador quem deveria tê-las refutado. 

    Entretanto, ao exigir provas documentais abrangentes (destinos, moedas, etc.), a Câmara está elevando o padrão probatório pretendido a um nível incompatível com a natureza do procedimento administrativo aduaneiro, ignorando o fato de que sistemas de computador e catálogos são ferramentas válidas para inspeção.

    Vamos imaginar novamente o exemplo de um iPhone exportado por US$ 100 versus um catálogo externo por US$ 1.000. 

    O TFN sancionaria corretamente porque uma diferença de 1000% em um produto padronizado é insustentável, ou pelo menos insustentável sem evidências concretas do exportador para justificar uma diferença tão grande. 

    A Excma. A Câmara, aplicando sua lógica, o absolveria por falta de "verificação objetiva", ignorando o fato de que a preponderância não exige tal rigor. 

    E o que é pior, esse precedente, diante de manobras sofisticadas, anula a aplicação do art. 954 do CA (da infração por inexatidão).

    3.Conclusão

    A TFN defendeu o interesse público.

    A sua decisão foi, do meu ponto de vista, correcta em substância: protegeu o controlo aduaneiro suprimindo a subfacturação, com base em indicações sérias e sólidas

    A este respeito, importa referir que a conduta das partes durante o processo pode constituir meio de prova. 

    Por esta razão, foi levado em consideração la ostensivo inação do principal interessado em demonstrar o verdadeiro preço da mercadoria.

    Ao analisar a aplicação deste regime, vale considerar o art. 1174 do CA, que dispõe sobre a aplicação supletiva do Código de Processo Civil e Comercial da Nação. E essa arte. 163 inc. 5) O parágrafo 2º do CPCCN prevê que a conduta observada pelas partes durante o processo pode constituir elemento de condenação.

    Não me escapa que a arte. O artigo 1174 do Código Aduaneiro estabelece que, em matéria de infrações, será aplicável o Código de Processo Penal Federal. 

    No entanto, a arte. 1181 Ap. 2º do CA refere-se ao procedimento estabelecido no Código de Processo Civil e Comercial da Nação para os recursos concedidos livremente (sem diferenciação das infrações) e o art. O artigo 164 do CPCCN dispõe que a sentença final de segunda ou subsequente instância deverá conter, no que couber, as declarações e os requisitos estabelecidos no artigo anterior (art. 163 inc. 5º) parágrafo 2º do CPCCN). 

    Ao mesmo tempo, sem pretender adentrar nos aspectos penais (pois se trata, em essência, de direito administrativo sancionador e não penal), o Código de Processo Penal Federal não veda a apreciação da conduta das partes; permite avaliar elementos de convicção, tanto diretos quanto indiretos.  

    Da mesma forma, passando a regras mais específicas (ou de valoração), vale refletir sobre o fato de que a doutrina acreditada (ao falar de importações – sistema GATT, lei 23.311 e 24.425 -, sistema muito menos teórico que o de exportações, cf. Bruxelas 1950) indica que o Parecer Consultivo 19.1 Confirmou o papel da lei nacional na investigação de fraudes e atribuiu-lhe o poder de legislar sobre o ônus da prova na determinação do valor. (ver Daniel Zolezzi. “Valor aduaneiro” 3ª Ed., LaLey (2022), página 427); então tanto mais um valor teorizado deve prevalecer diante de evidências que tornam até mesmo ridículo sustentar o oposto. (uma diferença de valor acima de 1000% em um exemplo conjectural - um iPhone - que, na verdade, está até abaixo dos 1423% do caso de teste aqui analisado).  

    A Excma. A Câmara, com sua miopia formalista, desmantela uma proteção lógica do sistema, premiando a falta de transparência e enfraquecendo o regime de exportação. 

    Se o objetivo da CA, neste momento, é evitar perdas fiscais e garantir o fluxo adequado de moeda estrangeira, a Câmara falha miseravelmente. 

    O TFN, atuando dentro dos limites probatórios de que dispunha, ao menos tentou (buscou genuinamente a verdade material do direito administrativo, expressamente acolhida para o seu processo, por aplicação dos arts. 1143 e 1156 do CA).  

    Pelo contrário, o Hon. Câmara de Contencioso Administrativo, ao solicitar tais provas conclusivas, solicita prova de contrabando no contexto de um processo por infrações (por exemplo, sanção administrativa) e, desta forma, anula a aplicação do art. 954 do CA.  

    Note-se que deixa - como única opção possível - (ou reação do sistema de controle aduaneiro) a "denúncia de contrabando" ... e assim, via interpretação judicial - fora do âmbito da norma - anula diretamente o art. 954 do CA. 

    Acredito sinceramente que é urgente uma revisão jurisprudencial para restabelecer o equilíbrio entre forma e substância, antes que o controle aduaneiro, em termos de repelir infrações aduaneiras e problemas de valoração, se torne uma espécie de mero espectador... poderá visualizar o que está acontecendo, poderá até investigar, mas quando se trata de combater a fraude, permanecerá completamente imóvel.

    É lamentável que o intérprete jurídico equipare a prova da violação (art. 892 do CA) à do crime, infração penal com pena de prisão.  

     Advogado (UBA), Especialista em Direito Aduaneiro (ECAE PTN), Especialista em Gestão Aduaneira (UNLaM) e Pesquisador (ECAE PTN). Professor de direito aduaneiro em níveis de graduação e pós-graduação, membro da AAEF, AIEA e do Instituto de Direito Aduaneiro (CPACF). As opiniões contidas nesta publicação são opiniões técnicas e próprias do autor, e não devem ser consideradas opiniões de nenhuma instituição à qual o profissional esteja filiado.    

     

    ÚLTIMAS NOTÍCIAS