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Três perguntas para Raquel Segalla Reis: Perspectivas e desafios do direito aduaneiro brasileiro sob uma perspectiva acadêmica

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Dias antes de retomar as tradicionais colunas de opinião de sexta-feira, Notícias Aduaneiras conversou com Raquel Segalla Reis, que compartilhou sua perspectiva com clareza e profundidade. Raquel Segalla Reis é uma jovem pesquisadora brasileira do grupo de pesquisa “Perspectivas e Desafios do Direito Aduaneiro Atual” pela Universidade Católica de Brasília, onde também obteve o título de Mestre em Direito. É especialista em Direito Aduaneiro e Comércio Exterior pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), entre outras áreas de especialização.

Seu trabalho se concentra na gestão de riscos no desembaraço aduaneiro e no uso de inteligência artificial como ferramenta de controle aduaneiro. Nesta entrevista, abordamos três questões-chave sobre os desafios do direito aduaneiro no Brasil, explorando sua abordagem acadêmica e destacando os critérios jurídicos inovadores que estão sendo pioneiros no país.

- Em sua análise da legislação aduaneira brasileira, você destaca seu papel na regulação da conduta humana e na proteção de bens e valores sociais. Quais você considera serem os principais desafios que o Brasil enfrenta hoje para consolidar leis aduaneiras que equilibrem controle e facilitação do comércio?

Deixe-me responder a essa pergunta discutindo primeiro alguns dos desafios que a administração aduaneira brasileira enfrentou na busca por equilibrar segurança e facilitação do comércio e, em seguida, abordando a legislação aduaneira brasileira e sua missão de articular essas e outras funções do Estado Aduaneiro.

O Brasil é um país de vastas dimensões territoriais e, nesse sentido, a atuação da Receita Federal não se limita aos portos e aeroportos do país, mas se estende por toda a sua fronteira, exigindo mecanismos tecnológicos que permitam monitorar o imenso fluxo de pessoas, veículos e mercadorias que entram e saem do país diariamente.

Embora estejamos estrategicamente posicionados para facilitar as cadeias de valor globais — com aproximadamente 30% do volume de comércio do país realizado por operadores econômicos autorizados — nos tornamos uma rota de trânsito para organizações criminosas, cujas atividades fraudulentas estão se tornando cada vez mais sofisticadas, desafiando as divisões de vigilância e fiscalização alfandegária diariamente.

Assim como outras administrações aduaneiras ao redor do mundo, a Alfândega brasileira encontrou uma solução para equilibrar esses desafios no modelo operacional baseado em risco, que requer acesso à informação e tecnologias inteligentes.

No que se refere ao direito aduaneiro propriamente dito, vale lembrar que a regulamentação aduaneira brasileira foi estabelecida com base em instrumentos normativos produzidos diretamente pelo Poder Executivo, sem que até o momento tenha alcançado a codificação desejada. Apesar de alguns avanços específicos na regulamentação legal, especialmente para incorporar medidas de facilitação do comércio, consideramos que a formalização legal dessas diversas funções aduaneiras requer a promulgação de uma lei formal, que respeite um processo legislativo verdadeiramente democrático..

- A modernização aduaneira no Brasil avançou com o uso da inteligência artificial, e você abordou esse tema em sua pesquisa. Como você acha que essas inovações podem melhorar a eficiência do controle aduaneiro e do comércio exterior?

O desenvolvimento e a implementação de ferramentas de inteligência artificial nas atividades de controle tornaram a alfândega brasileira uma líder global em termos de transformação digital. A Receita Federal do Brasil conta atualmente com um amplo conjunto de ferramentas tecnológicas, cujas aplicações vão desde o monitoramento de passageiros e controle de veículos nas fronteiras até a gestão de remessas expressas e o uso de machine learning para prever erros e fraudes no desembaraço aduaneiro.

Essas soluções foram concebidas dentro de um contexto global de facilitação do comércio, bem como de simplificação e harmonização de procedimentos aduaneiros. Portanto, não há dúvidas de que algoritmos e inteligência artificial têm contribuído para uma melhor gestão de riscos pela alfândega brasileira. Existem inúmeras estatísticas que demonstram os benefícios em termos de redução de custos e tempo, bem como a valorização do capital humano, pois essas iniciativas liberam os despachantes aduaneiros para tarefas mais complexas.

Entretanto, os benefícios obtidos por meio do uso de dados históricos, instruções matemáticas e sistemas de autoaprendizagem na gestão de riscos aduaneiros não podem ser separados da discussão de seus riscos. Em nossa pesquisa, demonstramos, com exemplos concretos, que processos automatizados de tomada de decisão baseados em algoritmos autônomos podem se tornar discriminatórios, errôneos e carentes de transparência, o que pode afetar indiretamente a liberdade e a propriedade dos indivíduos.

Não se trata de adotar uma postura negacionista ou proibicionista, o que seria ingênuo, tendo em vista que a revolução tecnológica em curso exige um manejo estratégico das tecnologias digitais, algo que a Alfândega brasileira vem implementando há quase uma década. O que defendemos é que esse conjunto de regras técnicas de controle aduaneiro deve se basear não apenas na gestão eficiente de riscos e no processamento algorítmico de inteligência artificial, mas também em outro sistema de conhecimento: o sistema jurídico.

Os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos devem ser o pilar central da arquitetura desses instrumentos, mesmo quando sua aplicação seja justificada pelo poder de polícia. A chave, em nossa opinião, está tanto na regulamentação legal de seu uso quanto na capacidade de auditar e monitorar seus resultados.

- Você acredita que a inclusão do português em nossa plataforma de mídia contribuirá para uma comunicação mais harmoniosa entre os leitores, promovendo maior compreensão e fortalecendo o conhecimento do direito aduaneiro, bem como a confiança, especialmente nestes tempos de desafios globais?

Não tenho dúvidas de que a adição do português à plataforma Aduana News será benéfica não apenas para os brasileiros e nativos de outros países de língua portuguesa, que às vezes podem ver o espanhol como uma barreira para a aquisição de conhecimento, mas também para a comunidade alfandegária em geral. A partir de agora, ele poderá acessar a crescente produção acadêmica brasileira, já que o tema está cada vez mais presente nas universidades.

Soma-se a isso a oportunidade de conhecer a atuação jurisdicional dos tribunais administrativos e judiciais nessa área, que têm passado por significativo desenvolvimento técnico. Além disso, permitirá um acompanhamento mais próximo e melhor compreensão das iniciativas da Aduana brasileira no exercício de suas funções essenciais.

A partir de sexta-feira, 28 de março, começam as colunas de 2025. Raquel será uma das colunas em destaque nesta nova temporada.

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O Aduana News é o primeiro jornal aduaneiro argentino a lançar sua versão digital. Com 20 anos de experiência, suas publicações e iniciativas visam facilitar o conhecimento mais relevante sobre questões aduaneiras, a fim de contribuir para o comércio seguro na região.

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