Em decorrência da delicada situação que o país vive em termos cambiais, o Estado tem intensificado suas ações visando à obtenção de receitas e liquidação de divisas. O coquetel de medidas ditadas para esses fins vai desde incentivos, como o “dólar agrícola”; passando pelo controle: suspensões preventivas no registro de operadores de câmbio, no registro de importadores e exportadores, suspensão do CUIT, etc.
A intensificação dessas medidas foi anunciada pelo Ministro Sergio Massa em entrevista coletiva realizada em 05/04/23, na apresentação do Programa de Incremento das Exportações. Ali, sem rodeios, o ministro disse: “Às vezes, devido à legislação argentina, que tem esse princípio do direito penal mais brando, que permite evadir-se no âmbito do direito penal cambial das suas obrigações, verificamos que “A legislação penal não é suficiente para punir aqueles que especulam em vez de cumprir com suas obrigações perante a lei” (Sic).
A aplicação do princípio constitucional a que se refere o ministro em matéria cambial foi ratificada em 2006 pelo Supremo Tribunal de Justiça da Nação. No caso conhecido como “Cristalux”, o Tribunal decidiu que, no caso de leis penais em branco, como o Regime Penal Cambial (RPC), aplica-se o princípio da retroatividade da lei penal mais branda. Precisamente nessa ocasião se tratou de um sumário por falta de entrada e liquidação no mercado de câmbios do equivalente em moeda estrangeira por operações documentadas entre os anos de 1982 e 1991, obrigação que ficou sem efeito com a posterior liberalização do mercado de câmbios. que ocorreu com o Decreto 530/91.
A adesão atual do Tribunal a este princípio é evidente no caso “Vidal, Matías Fernando Cristóbal e outros por violação da lei 24.769”, de 28/10/21, onde também decidiu favoravelmente quanto à aplicação retroativa dos valores previstos na o Regime Penal Tributário.
Como “não basta a legislação penal”, proliferaram uma série de medidas cautelares nos termos do artigo 17 do RPC, que autoriza o Banco Central da República Argentina (BCRA) para os casos de suposto descumprimento da normativa cambial, entre outras coisas, para:
1) não concordar em alterar a autorização;
2) não permitir importação;
3) não permitir a exportação;
4) suspender o registro de operadores de câmbio.
Por vezes, estas medidas são ditadas nos casos em que o particular responde aos pré-requisitos e exigências formulados pelo BCRA, experimentando defesas substantivas, tais como: existência de dívidas na gestão de cobranças, divergências na cobrança por questões de natureza comercial , devido a diferenças na qualidade das mercadorias, compensação por obrigações comerciais, etc. Ou seja, há uma defesa substantiva que deve ser analisada criteriosamente pelo juiz natural da causa, com todas as garantias inerentes ao processo penal.
Além disso, é importante ressaltar que a suspensão cautelar é decretada antes do início da investigação preliminar e da audiência de acusação formal. E tal acusação geralmente ocorre vários meses — ou até anos — após a medida ser emitida. Por outro lado, é de conhecimento público que um caso desse tipo costuma durar não menos que 5 anos. E, como se isso não bastasse, geralmente envolve supostas violações de operações que ocorreram há vários anos.
Portanto, essas medidas cautelares, que são verdadeiramente eficazes quando se pretende forçar determinado resultado, para serem lícitas devem necessariamente ser implementadas observando certos parâmetros nos quais convém focar.
Como critério norteador a ser observado nestes casos, o Supremo Tribunal Federal tem decidido que para se imporem medidas cautelares como as indicadas, deve-se comprovar a existência de perigo na demora para justificar sua implementação, o que - ademais - deve resultar de forma razoável. exame objetivo dos diferentes efeitos que sua aplicação poderia causar (Acórdãos: 344:3442) Ou seja, não é possível, por meio de justificativa dogmática e aparente, justificar a suspensão no importador registro.

Da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal afirmou que as medidas cautelares devem ser ditadas mediante aplicação de critério restritivo (in re “Construtora Norberto Odebrecht SA” 15/10/2015), sendo, portanto, medidas de última consideração no âmbito de um processo. Principalmente quando a medida pode implicar uma sanção ou a antecipação de uma no contexto de um processo criminal e com consequências financeiras significativas para o operador de comércio exterior.
Por outro lado, nos casos “Gador SA” (13/05/2021) e “Basf Argentina SA” (22/04/2021), a Corte também afirmou que a expedição de medidas cautelares “…requer uma avaliação cuidadosa da realidade comprometida, a fim de estabelecer cabalmente se as consequências que podem ser produzidas pelos eventos que se pretende evitar podem reduzir a eficácia do reconhecimento posterior do direito em questão pela sentença transitada em julgado."
Sem dúvida, essa diretriz apontada pelo Tribunal é difícil de ser encontrada quando se quer julgar a ausência de entrada de moeda estrangeira e impor medidas cautelares. É impossível determinar o que a suspensão do registro pretende evitar em relação ao evento passado que está sendo investigado. É aqui que se afirma que, a rigor, esse tipo de medida esconde uma sanção antecipada que busca “algo mais” do que a própria sanção que pode ser imposta ao final da investigação do crime de troca de informações.
Contudo, o próprio Tribunal Penal Económico sustentou que devem existir “…circunstâncias que justifiquem a manutenção de medidas cautelares…” (in re
CNPE, Sala B, “Serafin Packaging SA – Vinaccioa, Pedro Jose – Perez, Hugo Daniel s/Medidas Cautelares” 29/12/2014). A expedição de medida cautelar antes do início de um processo cuja duração total não será inferior a 5 anos será, sem dúvida, mais danosa do que a sanção que eventualmente poderá ser imposta caso o operador seja considerado culpado. E a situação parece ainda mais absurda e perniciosa se considerarmos que a justiça pode finalmente decidir em favor do acusado, que durante anos sofreu com a impossibilidade de operar.
Não podemos esquecer que essas medidas não são impostas pelo judiciário, mas são ditadas pelo BCRA na fase de investigação. E foi precisamente esta a questão abordada no caso “Pastoril Santiagueña SA s/ Régimen Penal Cambiorio” de 25/4/08, que afirmou que uma medida deste tipo “…imposta por um departamento governamental, sem intervenção judicial, de forma “claramente questão controversa… é em si arbitrária, completamente independente de quem pode estar certo na controvérsia…”
Tudo isso, além de demonstrar a inexistência de perigo na demora, impede e retarda qualquer possibilidade de efetivo exercício do direito de defesa do indivíduo, causando, inclusive, prejuízo financeiro imensurável.
Por esse motivo, a Câmara A do CNPE determinou: “É cabível confirmar a resolução que não deferiu o pedido de medidas cautelares diante da existência de ações visando à imposição de sanções pecuniárias por infração ao Regime Penal Cambial, uma vez que a existência de tais medidas não se coloca. Há um perigo no atraso que justifica a adopção de tais medidas, uma vez que se trata de violações que teriam sido cometidas há mais de cinco anos e as sanções financeiras que se pretendem só podem ser impostas após um procedimento sumário que ainda não foi realizado. foi realizado e é de responsabilidade do próprio Banco Central” (“Bárbara SRL, – Centurión, Estela Carmen s/Regime cambial penal, medidas cautelares” 05/10/12 ).
Este mesmo critério foi replicado pela mesma Câmara, ao sustentar que “A lei processual penal autoriza a decretação de medidas cautelares quando há perigo na demora (art. 518 do CPP), circunstância que não parece ter existido, dado que que, pelo contrário, já se passaram mais de cinco anos desde que o Banco Central tomou conhecimento da alegada infração cambial, o que por si só indica que não havia urgência” (CNPE, Sala A, “Contis SRL – Fadiño, Alicia Elba s / “Regime de Câmbio”, 15/4/11).
Como dito acima, os danos causados pela suspensão do registro de importadores e exportadores podem ser letais, o que na maioria dos casos revela o quão arbitrária e excessiva tal medida é. Assim, a jurisprudência determinou que “essas medidas devem ser limitadas para evitar ônus desnecessários (conf. Art. 204 do CPCC) (Câmara A do CNPE “Meb Corporation Argentina SA –Montenegro, Edith Lydia s/ Regime Penal Cambial , Medidas Cautelares”, 05/10/12).
O dano causado por medidas desta natureza é tão evidente que a jurisprudência sustenta uniformemente que "...as medidas cautelares em causa implicariam uma limitação ao exercício do direito de propriedade sem a mediação de uma pena condenatória em condições de ser executada". , pelo que não se pode admitir a prorrogação desse estado de coisas quando o departamento de estado, a pedido do qual foram emitidas as medidas cautelares e do qual depende em primeiro lugar o andamento do processo para a emissão de uma sentença final pelo tribunal. instância do juiz competente, incorreu em atrasos como os mencionados, especialmente quando se observa que nos autos deste incidente a representação do BCRA não apresentou nenhuma razão que justificasse tais atrasos (CNPE, Sala B, "Losano, Matías Fernando s/Medidas Cautelares ” 16/04/2014).
Consequentemente, da jurisprudência analisada é fácil deduzir que a imposição de uma medida cautelar dessa magnitude deve ser analisada de forma restritiva, levando em consideração o direito de defesa e o patrimônio que são colocados em risco em determinadas circunstâncias. Parece que não está de acordo com a lei proibir preventivamente a possibilidade de importação e exportação no âmbito de um caso em que um particular tem direito a apresentar uma defesa substancial, por uma alegada violação que teria ocorrido há algum tempo. há muito tempo e no âmbito de uma causa que perdurará por muitos anos.
É aí, sem dúvida, que a Justiça, perante os excessos em que o BCRA pode incorrer - guiada pela urgência da situação actual em matéria de divisas - tem a obrigação de actuar com firmeza e independência para restabelecer o equilíbrio natural que deve existir na relação entre os indivíduos e o Estado.
Advogado, formado pela Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade do Salvador (2003). Concluiu a pós-graduação em Direito Aduaneiro e de Integração pela Universidade de Buenos Aires (2005) e concluiu o Programa de Direito de Verão em Direito e Instituições Latino-Americanas pela Southwestern University (2008). Possui ampla experiência como profissional na área de direito aduaneiro, cambial e comércio exterior. Membro do Instituto Argentino de Estudos Aduaneiros (AIEA), da Associação Argentina de Estudos Fiscais (AAEF) e da Ordem dos Advogados da Capital Federal da Argentina. Também deu palestras em vários fóruns acadêmicos, tanto locais como internacionais, e publicou vários artigos em vários meios de comunicação (Debates de Derecho Tributario y Financiero Magazine da UBA, Mercojuris, Trade News, Abogados, El Dial, jornal La Nación, Errepar, LexisNexis e The Lei).