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Infrações aduaneiras – Natureza da multa – Critérios de proporcionalidade e razoabilidade – Necessidade de sanções inovadoras –

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Sobre violações 

Em ocasião anterior e através deste mesmo prestigioso meio, tive oportunidade de me referir ao elemento subjetivo das violações aduaneiras (1). Nessa ocasião, salientei que “A diferença entre crime e infração no Código Aduaneiro é de natureza jurídica, pois o mesmo dispositivo legal estabelece que infração é equiparada a ato culposo, como a inobservância de conduta correta que impõe em determinadas circunstâncias. Contudo, é ainda necessário que para a correta configuração de uma infração não seja exigida apenas a configuração material do fato, mas também o elemento subjetivo dela; Ou seja, a participação do seu autor, pois o contrário daria origem a uma responsabilidade perigosa, meramente objetiva, que só é determinada pela consequência de um resultado.”

E isto é assim, pois é no próprio código que se coloca a responsabilidade pelo cumprimento ou não de determinados deveres impostos como condição determinante para se considerar se determinado regime foi ou não cumprido. Isto não constitui de modo algum obstáculo à isenção da sanção prevista, tendo em conta o elemento subjetivo e em virtude de determinadas circunstâncias.  

Na nota de referência, também foi mencionado que O Supremo Tribunal Federal tem entendido em diversas decisões que no julgamento das infrações é adequado seguir a mesma linha dos crimes, o que implica transitar dentro dos princípios gerais do direito penal; o que significa que esta deve ser a regra apesar da natureza específica da matéria aduaneira, pois o contrário implicaria uma violação dos princípios gerais do direito penal, dada a natureza punitiva da sanção imposta às infrações aduaneiras. (Falhas: 311:2779; 303:1548; 297:215; 310:1822).

Em conclusão, a nota terminava com estes termos: Diante do entendimento do mais alto tribunal nacional, que segue a mesma linha para o julgamento de delitos e para o julgamento de crimes, não seria cabível presumir antecipadamente a culpa do suposto autor do delito, exigindo-se a inversão do ônus da prova, por se tratar também de princípio constitucional. Se a diferença entre um crime e uma infração for qualitativa ou quantitativa, as diretrizes do direito penal geral são aplicáveis ​​às contravenções. Considerar que a dificuldade de apuração da culpa do acusado enseja uma ilusória sanção punitiva é impor arbitrariamente uma diferenciação igualmente ilusória entre crime e infração, uma vez que ambos são julgados com a imposição de penas, além de uma ser privativa de liberdade e a outra de natureza pecuniária.

Consequentemente, deve-se considerar que o fundamento da punição encontra-se na ação do autor, ou seja, que o elemento subjetivo deve ser validamente considerado pelo juiz para chegar à determinação do grau de responsabilidade punitiva em matéria de infração antecipadamente e além da possibilidade de ser merecida para a graduação da pena nos termos do art. 915 e 916 do Código Aduaneiro.  

É oportuno, portanto, acrescentar algumas considerações quanto à natureza jurídica da multa, à oportunidade, ao mérito e à conveniência de sua aplicação, à sua razoabilidade e proporcionalidade, de acordo com o fato apurado na alfândega por meio do respectivo resumo. 

Deve-se notar, em primeiro lugar, que o Supremo Tribunal de Justiça da Nação determinou que as disposições gerais do Código Penal são aplicáveis ​​às violações aduaneiras, segundo as quais somente podem ser punidos os culpados, ou seja, aqueles a quem a ação punível pode ser atribuída tanto objetiva quanto subjetivamente (2). É, portanto, por esta razão que os princípios gerais do Direito Penal são aplicáveis ​​às violações. E é por isso que, então, uma sanção punitiva por uma infração só pode ser admitida se ficar provado, sem sombra de dúvida, que estão presentes todos os elementos que configuram o tipo penal e que a pessoa a quem a pena é imputada é realmente responsável. Tal consideração encontra-se em um princípio básico, por meio do qual a responsabilidade é atribuída a quem é culpado, ou seja, a quem a ação punível pode ser atribuída tanto objetiva quanto subjetivamente. (3)

Por exemplo, em situações de força maior, teve-se em conta que a ausência do elemento subjetivo do acusado não correspondia à aplicação direta da sanção punitiva da infração, em razão apenas do fato objetivo. Em decisão da Câmara Nacional de Recursos em Contencioso Administrativo Federal, foi decidido que “Cabe lembrar que nas infrações aduaneiras, a verificação do fato objetivo gera uma presunção de culpa, o que significa que ela existe independentemente de qualquer elemento intencional, razão pela qual o infrator somente é exonerado de responsabilidade quando a força maior, o caso fortuito ou situações similares justifiquem o descumprimento dos deveres legais, já que são completamente alheios à intenção do sujeito obrigado (art. 902 do CA) (Secção V, in re: «Compañía Elaboradora de Productos Alimenticios SA CEPA c/ANA s/ANA, expediente n.º 11.188/96, de 11/11/99)»(4) Note-se ainda que o termo “presunção” não significa a consideração imprópria, automática e reducionista da imposição arbitrária de uma sanção. 

Natureza da multa 

Trata-se de uma sanção aplicada em consequência de conduta ilícita, que geralmente tem finalidade puramente repressiva. O que também significa que o critério para impor uma multa carrega consigo um senso de repreensão cautelar. Portanto, não é concebível que haja uma falha ou violação constitucionalmente aceitável, desde que não haja dano específico a um bem jurídico. 

Disto decorrem os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. A primeira delas surge, inclusive, com respaldo constitucional no art. 28 do NC, uma vez que os princípios, direitos e garantias consagrados no NC não podem ser alterados por regulamentação que regule o seu exercício. Nesse sentido, deve existir a adequada proporcionalidade entre as medidas que o ato envolve e a finalidade que ele persegue, como um dos limites da atuação discricionária, sendo, assim, o meio ideal de defesa contra as arbitrariedades da Administração Pública. E quando há desproporção, o ato sancionador torna-se infundado e arbitrário e, portanto, ilegítimo. Este critério foi estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (5) e a Câmara Nacional do Contencioso Administrativo Federal também sustentou que:Ao Poder Judiciário é atribuída a faculdade de fiscalizar os atos administrativos de natureza disciplinar que emanem da Administração, incluindo o eventual alcance da intervenção dos magistrados, não só o controlo judicial da sua regularidade, mas também a razoabilidade das medidas que os funcionários adotem no exercício das suas competências, para que os juízes as possam anular quando tenham incorrido em manifesta arbitrariedade. (6)

Quanto à razoabilidade, o Supremo Tribunal nacional especificou “A faculdade de graduar a multa entre o mínimo e o máximo previstos em lei não escapa ao controle de razoabilidade que cabe ao Poder Judiciário quanto aos atos da Administração Pública, ainda que se trate de poderes discricionários desta última”, adicionando isso  "A discricionariedade não implica, de modo algum, liberdade de apreciação extrajudicial que impeça o controle judicial da proporção ou adequação da alternativa punitiva escolhida pela autoridade em relação às circunstâncias comprovadas, de acordo com a finalidade da lei.". (7) 

Considerando a tempestividade, o mérito e a conveniência do ato administrativo sancionador, é oportuno levar em conta que o referido ato decisório que impõe multa deve ser apreciado em termos de sua conveniência, além daqueles elementos que conferem razoável valor à decisão adotada.

Conclusão 

Do exposto conclui-se que o Estado deve exercer sua reação de acordo com um critério de proporcionalidade e razoabilidade para chegar à aplicação adequada de uma sanção, e não à aplicação de sanções per se, esgotada em sua única menção objetiva, pois a mera consideração objetiva não pode levar a uma materialização arbitrária do poder punitivo do Estado. Quando, em determinado caso, o suposto infrator, diante de um incidente recente, se compromete a cumprir os deveres pertinentes, por exemplo, pagando os direitos tributários correspondentes a uma transação, que sentido “instrutivo” haveria em acrescentar a imposição de uma multa? Qual seria seu mérito e conveniência? 

Talvez seja o momento de considerar alguma modificação em nosso Código Aduaneiro, incorporando alternativas para resolver as infrações aduaneiras, inclusive de caráter punitivo, dada sua natureza penal, a fim de reduzir o enorme número de casos e seus consequentes prejuízos, tanto para o Estado quanto para os operadores; por exemplo, semelhante a uma Prova ou a um Processo Abreviado, tornando mais eficaz e célere o tratamento deste tipo de ilícitos, sobretudo quando se trata de operadores que não registem reincidência (o que não é o mesmo que reiteração), conforme as expectativas lógicas sancionatórias do Estado e a necessidade de que o comércio internacional não seja paralisado por situações que bem poderiam ser resolvidas em prazos razoáveis, considerando também que em muitos casos a multa não cumpre sua função preventiva, mas acaba sendo mera ferramenta de cobrança.


  1. Salário, Guillermo J. (2019, 27 de setembro). O elemento subjetivo nas violações aduaneiras. Notícias Aduaneiras. https://aduananews.com/o-elemento-subjetivo-nas-infracoes-aduaneiras-2/
  2. Erros 290:202 e Erros 311:2779
  3. Erros 271:297 ; 303:1548; 320:2271
  4. CNACAF Sala II Herbas Ramirez Cesar Antonio TF 27050 c/DGA 7/03/23 
  5. Erros 306:126
  6. CNACAF Sala V Delgadillo, Ernesto c/Ministério da Defesa ED 177:503
  7. SCJN ED 183:966
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O autor é advogado. Membro do Instituto de Direito Aduaneiro e Comércio Internacional da Associação Argentina de Justiça Constitucional.

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