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Incidentes de violação do art. 954 c do Código Aduaneiro atualmente. Sobre as decisões "YPF v. DGA" e "Pioneer v. DGA"

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Neste artigo analisaremos alguns aspectos relacionados às condutas puníveis com a violação do artigo 954 c do CA; tais como - os aspectos relevantes da apreciação da prova, - a importância da declaração aduaneira, ou seja, o que se declara da operação comercial aduaneira a ser realizada, - a observação da conduta processual do administrado e - a existência de controle de mudança no momento da realização da operação aduaneira.

Esses elementos citados, em correspondência com o acúmulo de jurisprudência que dá conta de sua importância e do impacto que exercem na configuração da norma que tratamos, nos levam a algumas questões iniciais, tais como: O fato de os valores declarados coincidirem com o que foi recebido em termos monetários isenta de responsabilidade por violação do artigo 954 inc. c do CA?, podemos falar da fatura comercial como prova irrefutável do cumprimento das obrigações nas operações aduaneiras? 

Com base nessas questões, vemos a necessidade de analisar as diversas decisões, entre elas a decisão da Suprema Corte no caso Pioneer v. (1)

Se olharmos para a letra da lei, por um lado, e para o direito legal protegido por ela, por outro lado -a veracidade da declaração aduaneira-, bem como a base do controle aduaneiro que fornece o enquadramento legal para a atividade do serviço aduaneiro, verifica-se a existência de elementos que cercam a conduta do administrador e a operação comercial que excedem este tipo de prova.

Outro caso jurisprudencial emblemático observado, embora já reiterado, é o caso YPF c/ DGA (2), no âmbito do chamado “ouoperações comerciais complexas”. Neste ponto, também é interessante refletir sobre as mudanças que estão ocorrendo no mercado por meio da atualização ou revogação de regulamentações. Um exemplo disso poderia ser a existência de certa flexibilidade em relação aos controles cambiais e se isso poderia ou não influenciar a configuração da prática dessa violação.

Com efeito, como tem destacado a jurisprudência, o fato de haver ou não controle cambial de moeda estrangeira que entra ou sai do país não modifica nem afeta a configuração da violação ao art. 954 c. Isso ocorre porque elas não são regulamentações de jurisdição aduaneira e não afetam o direito legal protegido pela regulamentação de infração. 

Pode-se pensar, a título de exemplo, nas modificações quanto aos prazos ou à obrigatoriedade de declaração de entrada de moeda estrangeira proveniente de operações aduaneiras, o que a norma infracional persegue ou condena, não se trata essencialmente de uma sonegação de valores ou de uma evasão monetária; Ou seja, o sistema aduaneiro vai além, pois condena condutas que manipulem transações comerciais de compra e venda de mercadorias perante a Alfândega, omitindo informações relevantes para sua análise. 

Em última análise, o controle é sempre direcionado à verificação da transparência das operações aduaneiras e não ao montante, que acaba sendo consequência de uma manobra anterior.

Observamos também as diferentes soluções jurisprudenciais quanto à valoração da prova no caso desta violação, e a consequente interpretação que se pode fazer da norma. Lembremos que isso usa o tempo verbal subjuntivo ou condicional, ou seja, refere-se ao imputação de um evento ou conduta que poderia ter ocorrido, ou seja, o dano poderia ter ocorrido. Isso demonstra a importância do bem legal protegido pela lei para a avaliação das provas dessa violação.

Um exemplo disso é que o jurista pode considerar a conduta infratora provada pela observação do acúmulo de provas e de diferentes aspectos, levando a entender que, naquele caso específico e não em outro, a infração foi cometida; não poder exigir validamente que o juiz prove a conduta matematicamente ou em termos monetários.

Em ambos os casos jurisprudenciais -YPF e Pioneer-, trata-se de empresas comerciais complexos - um caso é um contrato de swap e outro uma triangulação entre empresas relacionadas -. É neste esquema que o serviço aduaneiro detecta irregularidades; A declaração aduaneira não reflete a operação aduaneira propriamente dita, que origina a entrada ou saída de moeda estrangeira, configurando assim a infração em causa. 

Ou seja, não é uma mera declaração inexata, na qual se detectam irregularidades passíveis de correção, mas sim o próprio negócio jurídico que leva a Direção Geral de Alfândegas a realizar um maior controle, e portanto a investigar e detectar que os valores declarados diferem do que o importador ou exportador efetivamente recebeu.

Avaliação da evidência

Os pressupostos de imputação previstos no artigo 954.º, n.º 3, podem, de facto, trazer consigo a necessidade de ter especialmente em conta a avaliação das provas.

As características especiais das operações aduaneiras em que se realizam fazem com que seja necessário que o operador jurídico não se limite ao sentido literal da lei ou a uma comparação contábil. Assim, o debate não deve se reduzir a uma mera questão tributária-fiscal, negligenciando os aspectos técnicos, que são de conhecimento tanto do fisco quanto do importador/exportador, bem como do juiz sentenciante.
Da mesma forma, deve-se levar em conta a função de controle exercida pela Direção Geral das Alfândegas. Esta função recai, por um lado, sobre as mercadorias que entram ou saem do país, mas também sobre o controlo e a condenação de condutas e manobras fraudulentas que tendam a desvirtuar os regimes a que estão sujeitos os operadores aduaneiros.

Assim, a apreciação da prova realizada pelo juiz assume especial relevância. Por exemplo, vale lembrar o que disse o Procurador-Geral da República no caso Pioneer do Supremo Tribunal de Justiça, quando afirmou que "...Creio que a Câmara, com base nos fatos e provas apresentados no caso, considerou que os preços declarados pela Pioneer Argentina SRL correspondiam aos efetivamente pagos por ela à POCSM pelas compras realizadas, o que eliminou qualquer possibilidade de configuração da suposta infração.. Tal declaração, baseada, como eu disse, na avaliação dos elementos de fato e das provas dos autos, é irrevisável neste caso, uma vez que a ordem que deferiu o recurso extraordinário foi suficientemente explícita ao limitar a admissibilidade do recurso à questão federal e o apelante não apresentou queixa em relação à arbitrariedade negada (Decisões: 319:288, entre outras).  Nessa perspectiva, é necessário concluir que estão presentes os elementos necessários à configuração da infração prevista no art. 954, ap. 1°, inc. c) do CA, uma vez que se descartou a existência de divergências entre a declaração praticada pela Pioneer Argentina SRL e o resultado da verificação dos seus pagamentos ao seu fornecedor POCSM, requisito essencial para que se configure o tipo penal em exame. ... ".

Observa-se que, embora por um lado fique claro que se trata de questão de fato e prova que não poderia ser apreciada nesta instância processual, a verdade é que não foram levadas em conta as demais circunstâncias do caso que foram objeto de tratamento no curso de um procedimento administrativo válido, tais como - a importância econômica das empresas envolvidas - grupo econômico multinacional -, a diferença entre os valores declarados na exportação da empresa no Brasil e os realizados na importação pela empresa, a vinculação existente e a manobra para obtenção de vantagens, o tipo de participação da empresa trader ou a assinatura que justifica a variação dos valores, entre outros – isso em detrimento do princípio da economia processual, e limitou-se a considerar apenas o sentido literal da norma. (4)

Ou seja, no caso em questão, a Procuradoria-Geral da República entende não ser cabível proferir decisão, tendo em vista que a discussão se limita à questão probatória e confirma a decisão do Tribunal. Recorde-se que naquele caso o Tribunal Tributário Nacional havia confirmado a Resolução Aduaneira e a Câmara a revogou com base em fatos e provas; Consequentemente, o Procurador-Geral da República confirmou a sentença, entendendo que se tratava de questões de fato e provas que não poderiam ser revistas.

Ao contrário do Procurador-Geral da República, o Supremo Tribunal Federal procedeu a uma análise, ainda que um pouco confusa, dos elementos do caso, para o que referiu que “…O Comentário 22.1 (Comitê Técnico de Valoração Aduaneira) conclui que “o preço efetivamente pago ou a pagar por mercadorias importadas quando vendidas para exportação ao país de importação é o preço pago na última venda antes de as mercadorias serem introduzidas no país de importação, e não na primeira (ou anterior) venda.” Isto é consistente com a hipótese subjacente e com os objetivos e o texto geral do Acordo” (ênfase acrescentada pelo Tribunal).

Cabe destacar ainda que o texto do art. 954, ap. Eu, inc. c, do Código Aduaneiro, ao não considerar o caso de vendas sucessivas da mesma mercadoria, também não prevê que – para efeitos de fixação do preço que “efetivamente corresponde” – deva ser desconsiderado o preço da última venda e tidos em conta os preços de vendas anteriores. Ademais, não decorre da referida regra nenhuma presunção que, no caso de vendas sucessivas entre partes relacionadas, estabeleça que a diferença de preço que possa existir seja devida à referida relação, impondo-se, por isso, a inversão do ônus da prova e atribuindo ao importador ou exportador a responsabilidade de demonstrar que a relação não afetou o preço ou que o mesmo é típico de uma transação entre partes independentes.

Na ausência de tais disposições no tipo de infração do art. 954, ap. Eu, inc. c do Código Aduaneiro, o fato de a última das vendas sucessivas entre partes relacionadas ter sido precedida de uma venda a um preço inferior, ou mesmo substancialmente inferior, não é suficiente para transferir o ônus da prova para o importador, que deve demonstrar que esse foi o preço que efetivamente correspondeu às mercadorias importadas. 

Este Tribunal não pode afastar-se do princípio primário da sujeição dos juízes à lei, nem assumir o papel de legislador para criar exceções não admitidas por esta, porque fazê-lo seria esquecer que a fonte primeira da exegese da lei é a sua letra, e que quando esta não exija esforço de interpretação a norma deve ser aplicada diretamente, independentemente de considerações que excedam as circunstâncias do caso expressamente contempladas nela (Sentenças: 218:56; 299:167; 313:1007). Nesse sentido, independentemente do juízo de desvalorização que possa advir de sucessivas vendas (triangulações) que envolvam superfaturamento de importações ou subfaturamento de exportações, que extrapolem a questão aduaneira para comprometer aspectos cambiais e tributários, não cabe aos julgadores julgar a correção ou a conveniência das disposições adotadas pelos demais. Assim, de acordo com a decisão do Ministério Público, julga-se procedente o recurso extraordinário e confirmada a sentença recorrida. Com custos. Notifique e retorne…”.

Assim, sem querer aprofundar-se na questão da triangulação entre empresas vinculadas e nas manobras que daí podem advir, o Tribunal limitou a sua análise a um debate que corresponde mais a um problema de ajustamento de valor —cuja aplicação se encontra excluída precisamente para os casos de triangulação no Comentário a que se refere— e sobre o preço que deve ser tido em conta para determinar uma eventual declaração inexata; ser capaz de abordar os temas relevantes da disciplina, alguns dos quais listamos acima, para justificar sua decisão. Também coloca o ónus da prova sobre a Alfândega de que a diferença de preço se deve à ligação existente (6).

No que se refere à análise probatória neste tipo de operações que resultam em violação do tratamento, concordamos com as afirmações de Santiago Dulce quando se refere ao acórdão "MPSA v. DGA, do Tribunal Nacional Tributário, que "... Vários pontos da decisão merecem destaque, entre eles, em primeiro lugar, que as empresas multinacionais, quando se trata de "vinculação e triangulação", têm um dever acrescido de fornecer informações detalhadas sobre esses tipos de transações, incluindo os preços acordados e os métodos utilizados para determiná-los. Também foi indicado que as autoridades fiscais devem analisar mais de perto os casos que envolvam "triangulação e vinculação" e, quando apropriado, ajustar os preços de transferência se considerarem que eles não refletem genuína e adequadamente o preço da transação. (...) Por fim, é importante destacar o que o Dr. Segura afirmou na justificativa de seu voto divergente, onde mencionou que a triangulação em si não é proibida e que é comum no comércio internacional. Entretanto, observou-se que a existência de uma transação triangular entre partes relacionadas permite que a alfândega investigue e colete informações para avaliar a autenticidade da transação comercial declarada. Em suma, cabe refletir sobre a triangulação e dizer que ela é uma prática comum no comércio exterior, e o papel da alfândega é levar o controle um pouco mais além (como no caso em questão através do sistema INDIRA), onde os preços declarados à Alfândega Argentina por uma empresa "Trader" uruguaia (vinculada à empresa exportadora) e o preço final efetivamente pago pelo destinatário no Brasil, tiveram variações, não havendo nenhum fator que pudesse implicar variante ou risco que fosse assumido, diante da comercialização com esta última (como foi arguido nos autos pela autora) e se o preço declarado tivesse sido friamente analisado, faturados e pagos permitiriam violar o controlo do serviço aduaneiro, o que não é o espírito do Código Aduaneiro …”(7)

Também é exemplar a decisão do Tribunal Supremo de Justiça da Nação, Polisur c/ DGA (8), na qual o CSJN foi chamado a resolver um caso em que a empresa era acusada de violar o art. 954 ayc do CA por ter transferido para o exterior valor em moeda estrangeira superior ao declarado na documentação de operação de importação para consumo.

A Câmara confirmou a decisão do TFN que ratificou a decisão da Alfândega, afirmando que “… No referido ato administrativo ficou determinado que “a transferência de moeda estrangeira superior à declarada responde unicamente pelo cancelamento de UMA Nota Fiscal Comercial nº 87613097 referente unicamente à operação de importação nº DDT 080031C65000059S”. Acrescentou que, embora a recorrente tenha especificado que o "pagamento antecipado foi efetuado não apenas para quitar a fatura em questão [...] mas que corresponde a pagamentos por conta", tal circunstância nunca foi comprovada, uma vez que ela não apresentou nenhum elemento aos autos que justificasse suas declarações...".

Com efeito, a Câmara entendeu que a empresa não apresentou outros documentos que justificassem a diferença, ainda que tenha afirmado ter apresentado tempestivamente notas fiscais cujo valor era igual ao da Declaração, uma vez que, segundo a empresa, não houve transferência de moeda estrangeira diferente daquela indicada na nota fiscal e na DI. Diante disso, o Procurador-Geral da Nação lembrou que “…O Tribunal afirmou que o bem jurídico protegido pelo referido dispositivo – que sanciona declarações inexatas – é, segundo a sua Exposição de Motivos, o princípio da veracidade e exatidão da declaração ou declaração da mercadoria objeto de uma operação aduaneira ou de destino, uma vez que a fiabilidade do que é declarado através da documentação correspondente é a base de todo um sistema que visa impedir que, sob a proteção do regime de exportação ou importação, se for o caso, sejam perpetradas manobras que o desvirtuem ou pervertam (Acórdãos: 315:929; 321:1614; 325:786, 830 e 333:300, entre outros). (…) …no que se refere ao art. 954, ap. 1°, inc. c), do referido Código, aquele Tribunal decidiu que “…a função precípua da agência aduaneira consiste em 'exercer o controle sobre o tráfego internacional de mercadorias', tarefa que, por isso, se impõe a auditoria da correspondência entre os valores decorrentes das declarações cometidas por quem atua neste área e as atribuíveis às operações efetivamente realizadas não podem ser indiferentes. É a partir disto perspectiva ampla, que ultrapassa as finalidades estritamente de arrecadação de fundos – protegidas pela alínea a) do art. 954- e está vinculado e em consonância com o exercício do poder de polícia do Estado (cf. voto concordante dos Juízes Belluscio e Petracchi no citado precedente "Subpga"), como se deve compreender pelo que estabelece a alínea c) do citado artigo, cujo texto, aliás, não autoriza interpretação contrária, pois se refere a valores diversos dos efetivamente correspondentes - o que, obviamente, inclui tanto as diferenças de mais como de menos - quer se trate de operações de importação ou exportação, quer de destinos." (Fallos: 321:1641, cons. 7°; critério reiterado em Fallos: 322:355, entre outros) (...) …No mesmo sentido, a sentença recorrida estabeleceu que os factos se enquadravam no âmbito do art. 954, inc. c) do Código Aduaneiro, em face da verificação de saída de divisas em valor diverso do constante na operação de importação... entendo que as críticas da autora refletem apenas mera discordância com a apreciação do material probatório utilizado pelos juízes da causa, não se acobertando a acusação de arbitrariedade que sustenta o recurso federal (Acórdãos: 280:320; 295:165; 297:333), cujo caráter excepcional não tende a substituir os magistrados quando decidem questões que lhes são privativas (Acórdãos: 394:394; 295:356; 297:173), ainda que se invoque erro na resolução do caso (Acórdãos: 296:82, 445; 302:1030), razões pelas quais entendo que o recurso extraordinário interposto foi corretamente negado...":

Essa decisão é levantada devido à aparente razoabilidade de sua decisão e sua semelhança processual com a decisão Pioneer. Note-se que, em ambos os casos, as instâncias anteriores concordaram quanto à origem da infração. Este ponto não pode deixar de demonstrar o controlo prévio sobre a proteção dos direitos do recorrente e a possibilidade de uma correta apreciação das provas. 

Isso nos leva a refletir sobre os limites da valoração da prova nas diferentes instâncias processuais, bem como sobre os recursos que os administrados eventualmente poderão dispor em caso de arbitrariedade; Ou seja, se a discordância com uma decisão pode necessariamente permitir a sua revogação ou se outros elementos devem necessariamente existir, como arbitrariedade ou omissão, a avaliação errônea das evidências, e outros elementos que demonstrem que o direito de defesa do recorrente foi efetivamente violado em razão de apreciação probatória errônea, irregular ou omissa, não bastando para tanto meras discrepâncias ou discordâncias. Na área aduaneira que nos concerne, a análise do ônus da prova também é uma questão que tem impacto nesses casos. Em particular, em relação à avaliação da prova realizada na decisão da Pioneer Argentina SRL, Concordamos com Licht em sua recente doutrina, na qual analisa o caso e afirma que “…No caso em análise, o ônus da prova foi atribuído à Fazenda Pública sem considerar o “princípio da facilidade da prova”, o qual se encontra amparado em critérios jurisprudenciais que estabelecem que o réu não pode se esquivar de sua responsabilidade, devendo apresentar elementos que demonstrem a gravidade do ato em questão. Se a parte responsável não tiver fornecido nenhuma evidência além da fatura e da transferência de moeda relacionada à transação ao Comerciante, isso pode levantar questões adicionais. Na área em questão, não há mistérios. Reconhece-se que os acordos entre as partes devem ser considerados genuínos até que se prove o contrário e, em casos de dúvida, a validade do ato deve ser favorecida. Este princípio baseia-se em critérios de aparência, normalidade, conservação e no princípio da ordem e da segurança jurídica. Entretanto, devido à natureza da questão, o contribuinte não pode simplesmente assumir uma postura passiva ou simplesmente negar os fatos alegados pelas autoridades fiscais. Você é obrigado a apresentar provas que sustentem a veracidade dos atos contestados… Em última análise, trata-se de avaliar cuidadosamente todas as evidências disponíveis para determinar a veracidade da transação em questão…” (9)

Assim, por meio desse tipo de análise, busca-se garantir que as ações de controle aduaneiro e o bem jurídico tutelado pela infração não se limitem a uma mera comparação numérica, o que seria o caso de um ajuste de valor, por exemplo, e não nesses tipos de circunstâncias, em que, como já foi discutido, a entrada ou saída de moeda estrangeira é consequência de um ato anterior que é condenado.

A Declaração Aduaneira

Nesta seção, analisaremos a importância da Declaração Aduaneira e sua função neste tipo de enquadramento. De antemão, é útil lembrar as duas funções que a declaração aduaneira pode ter. Para tal, o conceito fornecido pelo Dr. Barreira é esclarecedor quando afirma que “…a declaração aduaneira de mercadorias foi definida como o “ato praticado na forma prevista pela Alfândega, pelo qual os interessados ​​indicam o regime aduaneiro a aplicar às mercadorias e comunicam os elementos cuja declaração é exigida pela Alfândega para a aplicação desse regime.” ...

Esta definição abrange, na verdade, dois conceitos: a) … refere-se ao ato pelo qual o interessado indica à Alfândega o regime aduaneiro que deseja aplicar à mercadoria … e b) por outro lado, o ato pelo qual o mesmo interessado comunica à Alfândega os dados por ela requeridos para aplicar o referido regime aduaneiro … no qual o administrado não solicita nada, limitando-se a informar sobre os aspetos da relação jurídico-comercial com o fornecedor estrangeiro. (se for importação) ou o destinatário da mercadoria (se for exportação) para que a alfândega possa acompanhar a correta classificação e valoração aduaneira …”. (10)

É a este último conceito que nos referiremos neste trabalho, ou seja, à atuação do administrador tendente a dar conhecimento à Alfândega dos atos e a fornecer a documentação necessária que reflita a realidade das operações aduaneiras.

Analisaremos o caso YPF v. DGA da Primeira Câmara do Tribunal Nacional de Apelações em Contencioso Administrativo Federal. Este tribunal confirmou a decisão do Tribunal Nacional de Impostos que havia rejeitado o recurso interposto pela empresa YPF SA, idêntico ao imputado na referida decisão Pioneer.

A Câmara reforça o conceito de que "...a veracidade e a exatidão da declaração aduaneira constituem o direito legal protegido por esta infração, pois é o ponto de partida do sistema de desembaraço confidencial das mercadorias. …” (CSJN, 12/05/1992, “Subpga”, Fallos 315:942) e confirma princípios relevantes relativos à declaração aduaneira, refletindo a importância do conteúdo da sua elaboração; ou seja, “… princípio da veracidade e exatidão da manifestação ou declaração da mercadoria objeto de uma operação aduaneira de destino…"; e o princípio da confiabilidade do que é declarado.

O caso girava em torno da omissão da empresa em declarar à Receita Federal os valores recebidos em razão de um contrato de SWAP — no qual intervieram diversas empresas coligadas que, para financiar o preço do ativo adjacente, celebraram uma série de contratos e operações de especulação financeira e hedge a preço flutuante; Após a inspeção alfandegária, esses preços estavam excessivamente baixos. 

De fato, o juiz considerou provado que a autora deixou de declarar os contratos derivativos e, como resultado, a declaração aduaneira não refletiu a verdadeira transação.

A Câmara declarou que "...importante lembrar que é doutrina do Supremo Tribunal de Justiça que o bem jurídico protegido pelo art. 954 do Código Civil é o princípio da veracidade e exatidão da manifestação ou declaração da mercadoria objeto de operação aduaneira ou de destino." e "… A confiabilidade do que é declarado através da documentação correspondente repousa em todo um regime voltado a impedir que, sob a proteção do regime de exportação ou importação, quando for o caso, sejam perpetradas manobras que o desvirtuem e pervertam."Da mesma forma, em relação à violação do art. 954, alínea c), jurisprudência aplicada relativa à função de controle da alfândega, que alcança “…a supervisão da correspondência entre o valores decorrentes das declarações prestadas por quem atua nessa área e os imputáveis ​​às operações efetivamente realizadas” e que “é nessa ampla perspectiva, que ela ultrapassa as finalidades estritamente arrecadatórias – protegidas pela alínea a) do art. 954 — e está vinculado e é consistente com o exercício do poder de polícia do Estado…” (Acórdãos PBB Polisur SA v. EN DGA, 6/8/2019, Marítima Heinlein SA, 09/05/2023, entre outros).

Por outro lado, em especial no que se refere ao contrato em causa, o juiz salientou que “…o contrato de SWAP não constitui acordo celebrado com terceiro alheio ao negócio comercial… na medida em que decorre de avaliação conjunta da operação, dela faz parte integrante, não podendo ser considerado contrato isolado e sem qualquer ligação à futura operação de venda de matéria-prima (no caso, petróleo). (…)… a empresa deveria ter declarado o SWAP por se tratar de receita de exportação realizada, sendo o preço declarado manifestamente inferior ao preço de mercado… o elemento objetivo da infração se configurava porquanto as exportações representavam receita diversa da efetivamente correspondente e o exportador tinha conhecimento da inexatidão do preço declarado. ... ".

Vale lembrar que o contrato de swap é um contrato financeiro (no caso, foi baseado no preço do petróleo, mas poderia ter sido de outro produto) - que, embora não tenha relação com o contrato de compra e venda antecipada de petróleo bruto no qual foi estabelecido um preço fixo, valor que a autora recebeu no momento da assinatura do contrato - a Receita Federal entendeu que houve impacto nos valores de moeda estrangeira recebidos ou que poderiam ter sido recebidos pela autora e, em decorrência disso, entendeu que a infração aduaneira estava configurada.

Isto independentemente de os rendimentos do contrato de swap já terem sido declarados à Direção-Geral dos Impostos, o que reforça a ideia de que não se trata de controlo de valores, quando é a Alfândega que efetua o controlo, mas sim de manobras que tendem a especular e a desvirtuar os regimes a que os operadores aderiram. 

Este aspecto pode colocar em causa a quantidade efetivamente declarada: ou seja, no caso do petróleo, ela existe de acordo com o art. 56 c ii da Lei 17.319 critério para determinação do preço de venda e que deve ser declarado. 

Tudo o que foi dito acima não deixa de destacar que o contrato de swap é, além de um contrato financeiro, um instrumento de grande utilidade no âmbito comercial, principalmente com as variações do dólar existentes na República Argentina - desde que devidamente declarado perante a ARCA-DGI e a DGA -, permitindo às empresas maior previsibilidade e maior segurança em suas transações, o que pode agilizar e melhorar o fluxo de comércio; pois permite-lhes celebrar contratos antecipados com o objectivo de “fixar” um preço de venda antes da sua concretização.

Finalmente, no caso Sosa, a Câmara declarou que “…É essencial agora definir o bem jurídico protegido pelo artigo 954, alínea c), do Código Civil. O Supremo Tribunal de Justiça já consolidou doutrina sobre o assunto.

Em conclusão, o contrato que a empresa pretende declarar é um contrato financeiro, que, embora deva ser declarado à DGI (Direção Geral de Administração Tributária), também deve ser declarado à Alfândega, a fim de evitar potenciais penalidades e declarações inexatas por parte das empresas. Ou seja, embora o preço declarado possa corresponder ao preço da fatura, as provas sugerem que, como resultado dessa transação comercial, o autor recebeu moeda estrangeira diferente do preço declarado.

Sustentou-se que se trata do “princípio da veracidade e exatidão da manifestação ou declaração da mercadoria objeto de operação aduaneira ou de destino”. Veracidade da declaração e/ou divergências de “valor” que, como visto, o escritório autor admite ter violado. Ou seja, o Tribunal afirma que a norma sanciona quem, perante a alfândega, fizer uma declaração diferente do resultado da verificação, ou seja, que seja “inexata”, e que, se passasse despercebida, produziria ou teria produzido “a entrada ou saída do ou para o exterior de um montante pago ou a pagar diferente daquele a que efetivamente corresponde” (Sentenças: 315:929; 321:1614; 325:786, 830 e 333:300, “PBB Polisur SA c/ EN-DGA”. (...) …o pedido de destino da exportação deve indicar “todas as circunstâncias ou elementos necessários” que permitam ao serviço aduaneiro, especificamente, “controlar a mercadoria” em questão. Isto, seja formalizado por escrito, eletronicamente ou verbalmente (art. 332, ap. 2 do CA). B) Sem, para fins da discussão limitada do caso; Isto, insisto, face à comprovada e reconhecida “diferença de valor” e/ou inexactidão, que obstaculiza o argumento genérico da inexistência de “menor rendimento de moeda estrangeira”. Mesmo que assim fosse, não é o que prevalece aqui.

Isto é assim, mais uma vez por causa do que o CSJ afirmou em “PBB Polisur SA” (já mencionado no considerando V desta votação). Onde, por referência ao 2º Art. 6: “Para efeitos de liquidação dos direitos de exportação, (…) e demais impostos que onerem ou beneficiem a exportação (…) serão aplicáveis ​​os regimes de tributação, taxas, tarifas e base tributável (preço índice, valor FOB, valor FOB mínimo ou equivalente) em vigor na data de encerramento de cada venda.  A taxa de câmbio aplicável (...) será a vigente na data do registro da declaração aduaneira (...)”. Na opinião da Procuradora-Geral da Nação, Dra. Laura M. Monti, ela afirmou que “(…) a função precípua da alfândega é exercer o controle sobre o tráfego internacional de mercadorias” (art. 23, parágrafo a) do CA). Isso excede as finalidades estritamente arrecadatórias – protegidas pelo parágrafo a) do art. 954, que não é o parágrafo em questão aqui – “(…) e está vinculada e consistente com o exercício do poder de polícia do Estado (...)” (Acórdãos: 321:1614; 322:355; entre outros).s s).  CNac.A.Cont.Adm.Fed., Sala I, Sosa, María del Carmen (TF 32044-A) c/ DGA, processo 5076/24. 

Assim, a declaração aduaneira deve representar efetivamente a operação aduaneira realizada, e essa comparação não se reduz a uma operação matemática e contábil, mas decorre do acúmulo de provas fornecidas que demonstram a existência de um negócio jurídico, poderíamos chamar de complexo, o que permitiu lucros e benefícios acima dos declarados. É justamente o próprio sistema aduaneiro e tributário que viabiliza o sistema de DECLARAÇÃO e se baseia na CONFIANÇA depositada nos operadores aduaneiros. Considerar o contrário seria equivalente a exigir que a Alfândega implementasse um programa para interromper todas as operações alfandegárias, o que seria claramente prejudicial às partes e ao comércio internacional, levando a atrasos desnecessários.

Por esta razão, o próprio sistema permite que quem realiza operações aduaneiras informe à Alfândega os elementos e circunstâncias que compõem a operação aduaneira. A atuação preventiva nesses casos tem o potencial de evitar o desperdício processual causado por esse tipo de omissão, que fere o princípio da economia processual vigente na matéria.

Conduta processual do autor

Como vimos no ponto anterior, devemos ressaltar a importância da Declaração Aduaneira para fins de valoração da prova, mas também como externalização da conduta do autor. Isso porque é nesse momento que o importador ou exportador informa à Alfândega a realidade da operação aduaneira, e essa informação será então classificada como relevante ou irrelevante para fins de avaliação da existência de uma operação fraudulenta e, portanto, da prática da infração em questão.

 Assim, na busca pela verdade material, esses elementos fornecidos pela empresa ou muitas vezes coletados pela alfândega, como é o caso dos relatórios INDIRA, são utilizados para compreender e analisar a operação comercial aduaneira. Trazemos à tona as declarações feitas pelo Dr. Licht em relação a esse ponto. ...a vexata quaestio consiste em determinar a quantidade e a qualidade das provas necessárias para que a administração possa sancionar "validamente". Se aceitarmos que uma sentença deve ser uma derivação fundamentada dos fatos e do direito vigentes, o operador jurídico está necessariamente obrigado a dispor de provas que comprovem os fatos em que se baseia e a avaliar esse material probatório... (...) ... O sistema de arrecadação é baseado nas declarações feitas pelos próprios contribuintes. É evidente, Portanto, os ajustes nas declarações juramentadas são formulados com base nesses meios... O que é importante ressaltar é que esses elementos visam redistribuir o ônus da prova, partindo do princípio de que, no caso de atividades de risco, na maioria dos casos, o dano jurídico é causado por conduta dolosa ou negligente..."(11)

Além disso, em casos recentes, o Tribunal Nacional de Impostos e o Tribunal Superior de Apelações deram tratamento diferente a casos em que levaram em consideração especial a verdade material em detrimento de certas formalidades. Este extremo propõe um debate em torno, de um lado, do princípio da informalidade e, de outro, da busca da verdade material, bem como do ônus da prova que recai sobre a pessoa em questão ou, quando for o caso, da aplicação do ônus dinâmico da prova. Vejamos alguns casos recentes de acusações por violações do art. 954 e 970 do CA

Na recente decisão do TFN, Câmara E, o juiz referiu-se “…Que a falta de comprovação do cancelamento integral da operação temporária em questão, motivou a Alfândega a tramitar o sumário contencioso, durante o qual o importador não provou nem acrescentou nenhuma evidência, que demonstrou o pleno cumprimento do DIT nº 00 001 IT15 001504 Z e das obrigações assumidas pela aceitação voluntária do regime de importação temporária para processamento. Cabe ressaltar, neste ponto, que o importador não apresentou nenhuma autorização de embarque ou qualquer outra prova documental para contrariar as alegações da alfândega no resumo, nem o fiador, nem no processo administrativo nem nesta instância recursal. Que a alegada reclamação referente ao fato de a Alfândega não ter providenciado e, portanto, não ter fundamentado sua análise e sentença no DIT original, carece de sentido, uma vez que o processo administrativo inclui o envelope contêiner do DIT em crise, dentro do qual consta o formulário de despacho de Importação Temporária OM-1993, o formulário de Declaração de Valor Aduaneiro, o Conhecimento de Embarque da operação em questão e também outros documentos relativos à importação temporária documentada, incluindo o print da Consulta da Garantia Global e/ou unitária que assegurou a operação. Da análise de todo o conjunto probatório, resta evidente que o importador temporário não cumpriu com sua obrigação no caso em exame, sendo este requisito exclusivo para o gozo dos benefícios concedidos em decorrência do regime previsto para a importação temporária, configurando, assim, o acidente do qual decorre a responsabilidade da recorrente, na qualidade de garantidora, pelos tributos devidos em razão da importação para consumo da mercadoria importada temporariamente - arts. 274 e 638, inc. e), da CA …”. TFN, Sala E, Voc. 15, 27/09/2024, Processo TFN Nº 31.692-A, SMG Compañía Argentina de Seguros SA c/ DGA.

Em conclusão, o Tribunal rejeitou o pedido de anulação do autor e manteve a Resolução Aduaneira.

Além disso, o juiz manteve os critérios jurisprudenciais do Tribunal de Recurso; De fato, a Câmara Nacional de Recursos do Contencioso Administrativo Federal, em caso de características semelhantes, rejeitou a nulidade da abertura da súmula por ausência do DIT. Nesse entendimento ele disse que "...a seguradora teve oportunidade suficiente para oferecer e produzir provas. Como visto, ela o fez tanto perante a alfândega quanto, posteriormente, perante a Receita Federal. Portanto, invalidar o processo carece de objeto e significado prático, e significaria declarar a nulidade pela própria nulidade, solução inaceitável no âmbito do direito processual (CSJ, Acórdãos: 320:1611; 325:1649; 322:507, entre outros; no mesmo sentido esta câmara “Catardo, Emmanuel”, “Moncho, Vicente Rafael” e “Aseguradora de Caución”, citados, entre outros…”. CNac.A.Cont.Adm.Fed., Sala I, Chubb Argentina de Seguros SA (TF 34636-A) c/ DGA s/RECURSO DIRETO DE ORGANISMO EXTERNO, Processo nº 2918/2024.

Em outra decisão, o Tribunal Tributário Nacional declarou que “… Quanto à nulidade por falta de aditamento da pasta de destino original (n.º 1 do ponto IV do recurso), esta não pode prosperar, pois, como resulta dos fls. Em dois quartos dos processos administrativos, as capturas de tela do SIM continham as informações necessárias para dar suporte à imputação e liquidação de impostos subsequentes. Além disso, da documentação fornecida no processo pelo representante fiscal (arquivo anexado ao IF-2-4-APN-DTD#JGM), bem como da Nota Explicativa nº 2024/13771734 (SE OREI), fica claro que a documentação em questão foi incorporada ao sistema “Fiel Depositário” (Resolução Geral nº 1734 e suas alterações…”. TFN, Sala 21, 29/5/2024, EX-2023-114123495, Chubb Argentina de Seguros SA

Ou seja, o juiz avalia as provas levando em consideração também a conduta processual do autor. Com efeito, para afastar a arguição de nulidade, o juiz entendeu que, embora não se encontrasse presente toda a documentação aduaneira no momento do início do resumo, a verdade é que, no momento da prolação da sentença num caso e no momento da prolação da resolução aduaneira no outro, estavam reunidos os elementos necessários que permitem concluir que o administrador também tinha conhecimento da infração e que a nulidade não pode ser validamente declarada quando posteriormente corrigida; especialmente quando o cidadão também teve a oportunidade de exercer seu direito de defesa. Isso está em claro acordo com o benefício da busca pela verdade material.

Podemos afirmar também que essas decisões demonstram a importância da avaliação das provas e dos documentos comprobatórios apresentados nos casos descritos.

A seguir, citaremos outros casos em que a conduta do administrador teve impacto na decisão do juiz.

Por exemplo, na autos Alimentos y Forrajes SA c/ DGA, EXPTE. 2021-24456182, 11/07/2022, o Tribunal decidiu confirmar a Resolução Aduaneira, afirmando que “… Se o PA mantido pela autora estivesse correto, ela teria várias oportunidades processuais para produzir provas – novas extrações, uma segunda análise, provas indiretas – que corroborariam sua posição. Contudo, com diferentes justificativas processuais, sempre deixou de oferecer a referida prova no PA correto em que se classifica a mercadoria, sem objetar ao único Protocolo de Análise produzido no processo, cujo conteúdo objetivo é indubitável.. " 

Por outro lado, o Tribunal declarou que “… "Não se trata de mera boa-fé, mas sim da ação diligente de um bom empresário... Em contrapartida, a conduta do exportador neste caso caracterizou-se, como ilustrado, como conduta evasiva quanto ao seu ônus de justificar a classificação tarifária... Isso ficou evidente, desde o início, com uma postura passiva em relação às amostras colhidas... sempre dispunha de uma amostra, que podia e devia manter inviolável, para confrontar os resultados do ITEM com uma nova análise... como nas justificativas processuais e de perícia para não solicitar nova análise..." TFN, 11/07/2022, Alimentos y Forrajes SA c/ DGA, EXPTE. 2021-24456182

Também no caso Mercator SA v. DGA 11/04/2022, o juiz ordenou que o autor fosse acusado da prática do crime descrito no art. 954, ap. 1, inc. a) e c) do CA. Para decidir, expresso que “… Durante todo o procedimento de extração, identificação e embalagem das amostras, deverá estar presente o interessado, entendido como importador, exportador ou despachante aduaneiro (por mim destacado), ou seu representante, devidamente credenciado para tal fim, ou em determinados casos, técnicos da parte devidamente designados. A este respeito, não se observa que, durante o procedimento de extração de amostras, o representante da empresa recorrente tenha feito quaisquer observações ou reservas quanto às amostras colhidas, nem que tenha questionado razoavelmente a idoneidade do agente aduaneiro para tal trabalho. Além disso, a classificação tarifária determinada pela alfândega não foi invalidada por outras provas da autora, quando esta poderia ter solicitado prova pericial para refutar as conclusões. ..." TFN, 11/04/2022, Mercator SA c/ DGA 

Por fim, observa-se que a conduta processual do autor aparece em alguns casos como fator na busca da verdade material que o juiz deve perseguir.

A existência do controle cambial

Na decisão YPF v. DGA acima analisados, a empresa reclama, afirmando que não houve controle cambial pela Alfândega ou impostos de exportação. De fato, os controles cambiais não afetam a prática da infração em questão, visto que, por um lado, a flexibilidade nos controles cambiais tende a liberar o comércio e a eliminar restrições que possam dificultá-lo, mas isso não impede a implementação de controles aduaneiros adequados. Também não se pode ignorar que o facto de não ter efectuado a entrada de moeda estrangeira implica per se a prática da violação aduaneira. A este respeito, vale a pena citar a decisão Sosa (12), no qual a Câmara recordou por um lado qual é o bem jurídico protegido pela norma e a necessidade de o importador ou exportador apresentar à Alfândega, no momento da elaboração da Declaração Aduaneira, todos os elementos relativos à operação aduaneira em questão. Também emitiu uma decisão sobre o impacto do controle de câmbio na infração 954 1 c. Assim, o Tribunal recordou que o facto de não haver controlo cambial no momento dos factos não impediu a prática da violação do artigo 954.º, n.º XNUMX, uma vez que “… A função precípua da agência aduaneira é exercer o controle sobre o tráfego internacional de mercadorias... o que vai além das finalidades estritamente arrecadatórias... e está vinculada e coerente com o exercício do poder de polícia do Estado. …”. CNac.A.Cont.Adm.Fed., Sala I, Sosa, María del Carmen c/ DGA
Da mesma forma, em relação ao termo “renda” no artigo do Código Aduaneiro, destaca-se sua importância, pois não se refere à moeda estrangeira, mas à contraprestação recebida pelo exportador.

para a venda da mercadoria, afirmando que “…o termo “moeda estrangeira” que provém de uma operação de exportação e deve ser liquidada dentro de um determinado prazo (Câmara III, YPF c/ DGA, 12/3/24…” CNac.A.Cont.Adm.Fed., Câmara I, Sosa, María del Carmen (TF 32044-A) c/ DGA, caso 5076/24.
Com o exposto, reafirma-se que o que se busca na infração não se limita a um valor numérico ou à conduta de comunicar a entrada ou saída de moeda estrangeira, cuja verificação poderia afastar a prática da infração.
Podemos dizer que, em se tratando de uma operação aduaneira específica, que inclua negócios complexos ou casos de triangulação entre empresas coligadas, a Alfândega e, posteriormente, o juiz sentenciante verificarão toda a documentação e operações realizadas e as provas produzidas no respectivo procedimento — incluindo tanto a conduta do importador ou exportador, quanto a situação econômica da empresa —, tornando-se desnecessária, como já mencionado, a realização de uma análise precisa e completa pela Alfândega de todos os fundamentos e provas contábeis que levaram a tal decisão. Nestes casos, deverá ser realizada uma avaliação das provas de acordo com o tipo de operação aduaneira realizada.

Considerações Finais

Concluímos que os pressupostos de imputação previstos no artigo 954.º, c, implicam, efetivamente, a necessidade de especial ponderação da apreciação da prova, pelas suas características especiais, que não pode limitar-se ao sentido literal da norma nem à comparação contabilística, sob pena de reduzir aspetos técnicos essenciais a uma questão puramente fiscal.

Temos observado em jurisprudência reiterada as divergências existentes quanto à valoração da prova no caso desta violação, pois se trata de norma cuja interpretação pode ser ampla, visto que utiliza o modo verbal subjuntivo ou condicional, ou seja, refere-se à atribuição de um fato ou conduta que poderia ter ocorrido, ou seja, o dano poderia ter sido causado.

Um exemplo disso é que o jurista pode considerar a conduta infratora provada pela observação do conjunto probatório e de diversos aspectos que o levam a entender que, naquele caso específico e não em outro, a infração foi cometida, não podendo ele validamente exigir do juiz que prove a conduta matematicamente ou em termos monetários.

Em relação à análise probatória, nesse tipo de violação, podemos afirmar que, em casos empresariais complexos, o escritório teria o dever agravado de fornecer informações detalhadas sobre aquelas transações.

Refletimos também sobre os limites da apreciação da prova e os recursos processuais que as partes podem dispor em caso de potencial arbitrariedade; Assim, entre outras coisas, poderia advir a existência de uma apreciação específica e errônea da prova, e não uma mera discordância com a sentença.

Observamos também que a existência ou ausência de controles cambiais sobre a entrada ou saída de moeda estrangeira do país não modifica nem afeta a configuração da violação 954 c, uma vez que não se trata de regulamentação aduaneira e excede o controle exercido pela Direção Geral de Alfândegas.

Ou seja, o controle é sempre direcionado à verificação de uma operação aduaneira transparente e não do valor, que acaba sendo consequência de uma manobra anterior.

Da mesma forma, conceituamos a declaração aduaneira como o ato pelo qual o interessado comunica à Alfândega os dados necessários para a aplicação do referido regime aduaneiro.

Esta solicitação de destino de exportação deve indicar “todas as circunstâncias ou elementos necessários” que permitam ao serviço aduaneiro, especificamente, “controlar a mercadoria” em questão.

A declaração aduaneira deve representar efetivamente a operação aduaneira realizada, e essa comprovação não se limita a um processo matemático e contábil, mas decorre do acúmulo de provas apresentadas, que demonstram a existência de um negócio jurídico complexo que permitiu a obtenção de lucros e benefícios superiores ao valor declarado.

No que se refere ao controle exercido pela Alfândega, este extrapola as finalidades estritamente arrecadatórias e está vinculado e em consonância com o exercício do poder de polícia do Estado.

Demos também como exemplo que o fato de documentação não entregue à Alfândega ter sido declarada à DGI reforça a ideia de que não se trata de controle de valores quando é a Alfândega quem realiza o controle, mas sim de manobras que tendem a especular e distorcer os regimes aos quais os operadores aderiram.

Assim, na busca pela verdade material, esses elementos, fornecidos pela empresa ou muitas vezes coletados pela alfândega, como é o caso dos relatórios INDIRA, são utilizados para compreender e analisar a transação comercial aduaneira.

Também listamos casos recentes em que o Tribunal Nacional de Impostos e o Tribunal Superior de Apelações deram tratamento diferente a casos em que deram consideração especial à verdade material em detrimento de certas formalidades.


1. CSJN, 29/02/2024, Pioneer v. em que a Resolução Aduaneira que havia condenado a empresa por violação do art. 954 1 c em um caso de triangulação com empresas relacionadas, no entendimento de que as evidências fornecidas mostrariam que a empresa declarou o que recebeu como renda da venda de seus produtos.


2. CNac.A.Cont.Adm.Fed., Sala I, 04/07/2024, YPF SA (TF 30436-A) c/ DGA. Em que a empresa foi imputada pela mesma infração (954 c CA) no contexto de um caso em que havia um contrato de swap de petróleo que também teria permitido a obtenção de valores diferentes dos declarados através das chamadas “operações comerciais complexas”.

 A operação envolvendo essa rede de contratos tem sido conduzida pelo Departamento de Operações Internacionais como "um negócio jurídico internacional complexo", ressaltando que "...não se trata de uma série de transações isoladas ou casualmente inter-relacionadas. Ao contrário, estamos diante de um negócio único - complexo - onde as diversas operações que o compõem têm sua razão de ser em função de delimitar precisamente o papel correspondente a cada um dos intervenientes, bem como a medida das receitas e despesas atribuíveis a cada um deles por sua participação na operação. 

Vale destacar que um SWAP é um instrumento por meio do qual "... uma parte se compromete a assumir um risco relacionado à evolução futura de uma variável subjacente em troca de uma contraprestação monetária, da transferência da propriedade de um ativo ou da assunção de outro risco por sua contraparte" (Confr. Malumián, Nicolás; "Contratos de Derivativos (Futuros, Opções e Swaps)", Editorial La Ley, Buenos Aires, 2009, p. 4.) Por isso, faz parte da categoria de contratos derivativos, pois "... seu valor depende ('deriva') de variáveis ​​subjacentes constituídas geralmente pelo valor dos ativos, sejam produtos financeiros ou básicos..." (Confr. Relatório Técnico nº 17 da Federação Argentina de Conselhos Profissionais de Ciências Econômicas). 

Ainda que possa parecer, à primeira vista, um simples instrumento especulativo, a verdade é que "...através da utilização deste tipo de contrato, qualquer operador económico pode assegurar um preço futuro, seja de mercadorias ou de ativos financeiros, uma taxa de juro ou fixar antecipadamente a cotação de uma moeda..." (cfr. CNAC, Sala D, "Fiat Crédito Compañía. Financiera SA c/ Poder Ejecutivo Nacional, sentença de 30.04.2007"). 

3. ARTE. 954. – 1. Quem, para efetuar qualquer das operações de importação ou exportação ou destino, fizer declaração à alfândega diferente do resultado da verificação e que, se passar despercebida, produza ou pudesse ter produzido: (…) c) a entrada ou saída do exterior ou para o exterior de quantia paga ou a pagar diferente daquela a que efetivamente corresponde, será sancionado com multa de UMA (1) a CINCO (5) vezes o valor da diferença…”.

4. A este respeito, veja-se a menção do caso CSJN, 19/03/2024, PBB Polisur SA c/ DGA, que é feita neste trabalho.

5. “… Comissão de Avaliação que, além de não ser lei vigente, deixa expressamente de lado a hipótese de operações entre empresas coligadas…”. Luz, op. Citação.

6. Sem adentrar no assunto em profundidade, vale mencionar que isso é contrário ao caso Cnac.A.Cont.Adm.Fed., Câmara III, Maltería Pampa SA v. DGA (TF 35123-A) Caso: 44028/2019 no qual, em caso semelhante, a câmara entendeu que “… com base no ônus dinâmico da prova, e tendo em vista que o vínculo foi reconhecido desde o início (o que autoriza a presunção da capacidade operacional para alterar os valores declarados para as vendas), esta atividade probatória estava nas mãos da autora por ser a que está em melhor posição para demonstrar conclusivamente que a Maltería Uruguay SA cumpre os três requisitos para não aplicar a determinação do valor correspondente à operação triangulada entre partes relacionadas abrangida pelo art. 15 da LIG. Se sua única tarefa é refaturar valores que deveriam ter sido faturados na Argentina, a conduta típica reprimida pelo art. 954, ap. 1, art. C do CA para rendimentos – reais ou potenciais – de valor diverso daquele a que corresponderia...”.

7. Dulce, Santiago, Interessante decisão do Tribunal Tributário Nacional, condenando operação triangulada entre empresas vinculadas por infração aduaneira (art. 954, ap. 1, inc. “c”) – Mercojuris, 29/5/2023

8. CSJN, 19/3/2024, Pbb Polisur SA c/DGA, Processo nº 46353/2012/1/RH1

9. Licht, Miguel, Reflexão à luz da decisão pioneira, Mercojuris, 10/03/2024

10. Barreira, Enrique, A Solicitação de Destino Aduaneiro e a Declaração Aduaneira, Instituto Argentino de Estudos Aduaneiros, 09/2010

11. Licht, Miguel, Reflexão à luz da decisão pioneira, Mercojuris, 10/03/2024

12.CNac.A.Cont.Adm.Fed., Sala I, Sosa, María del Carmen c/ DGA.

Bibliografia 

  • Alais, Horacio Félix, Regime de infração aduaneira, Ed. Marcial Pons, 2011.
  • Alsina, Mario, Barreira, Enrique, Basaldúa, Ricardo, Cotter Moine, Juan e Vidal Albarracín, Héctor, Código Aduaneiro Comentado, Ed. Abeledo Perrot, 2011.
  • Barreira, Enrique, A Solicitação de Destino Aduaneiro e a Declaração Aduaneira, Instituto Argentino de Estudos Aduaneiros, 09/2010.
  • Dulce, Santiago, Interessante decisão do Tribunal Tributário Nacional, condenando operação triangulada entre empresas vinculadas por infração aduaneira (art. 954, ap. 1, inc. “c”) – Mercojuris, 29/5/2023.
  • Licht, Miguel, Reflexão à luz da decisão pioneira, Mercojuris, 10/03/2024.

Jurisprudência

  • SCJN, 29/02/2024, Pioneiro 
  • CSJN, 19/3/2024, PBB Polisur SA 
  • SCJN, 12/05/1992, Subpga
  • CNac.A.Cont.Adm.Fed., Sala I, 04/07/2024, YPF SA (TF 30436-A) c/ DGA
  • CNac.A.Cont.Adm.Fed., Sala I, Sosa, María del Carmen (TF 32044-A) c/ DGA
  • CNac.A.Cont.Adm.Fed., Sala I, Chubb Argentina de Seguros SA (TF 34636-A) c/ DGA 
  • TFN, Sala E, 27/09/2024, SMG Compañía Argentina de Seguros SA c/ DGA 
  • TFN, 29/5/2024, Sala G, EX-2023-114123495, Chubb Argentina de Seguros SA
  • TFN, 11/07/2022, Alimentos y Forrajes SA C/ DGA, Processo nº 2021-24456182
  • TFN, Sala F, 39.708-A, 11/04/2022, Mercator SA c/DGA


Advogado pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Especialista em Direito Aduaneiro pela Universidade Católica de Córdoba. Mestranda em Direito Internacional Privado (UBA). Autor de vários artigos doutrinários sobre questões jurídicas e aduaneiras.

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