InícioDoutrinaEstabilidade fiscal: Novo precedente judicial incentiva segurança jurídica 

Estabilidade fiscal: Novo precedente judicial incentiva segurança jurídica 

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Mais uma vez, uma decisão judicial colocou a aplicação do princípio da legalidade em matéria tributária no centro do debate. Em 13 de março de 2025, a Câmara I do Tribunal Administrativo Federal de Contencioso, no processo “Litio Minera Argentina SA v. EN s/ Processo de Conhecimento”, declarou a inaplicabilidade do Decreto 793/2018 ao projeto “Mariana”, por considerar que a imposição de direitos de exportação por via regulatória violava o princípio da reserva legal. Embora este raciocínio se refira ao precedente bem conhecido Camarão Patagônico, a novidade da decisão está na forma como a Câmara interpreta o conceito de estabilidade fiscal, num contexto marcado pela incerteza jurídica e pelo surgimento de novos regimes como o Regime de Incentivos ao Grande Investimento (RIGI).(1)

Agora, isso implica que qualquer mudança tributária prejudica automaticamente a estabilidade fiscal? Não necessariamente. A jurisprudência tem deixado claro que não basta apontar uma alteração em um imposto específico; é preciso comprovar um aumento real da carga tributária total.

Dois precedentes importantes: Minera del Altiplano e Processadora de Boratos Argentinos

Na decisão Minera del Altiplano SA v. Estado Nacional (2012) (2), o Supremo Tribunal Federal entendeu que a estabilidade fiscal implica a proibição do aumento da carga tributária total, mas não impede per se a criação de novos tributos. O contribuinte deve demonstrar que, quando aplicável, a mudança regulatória representou um aumento real desse ônus.

O Tribunal reiterou este critério em Argentina Borato Processador SA c/ DGA (2013) (3), indicando que os beneficiários do regime não estão isentos do pagamento de novos tributos, salvo se comprovarem aumento específico do ônus total. Além disso, o Estado não pode se recusar a compensar ou restituir valores pagos a maior caso tal aumento seja verificado.

A nova decisão e sua relevância para o RIGI

No caso Lithium Minera Argentina (4), a empresa - proprietária do projeto ‘Mariana’ na província de Salta, focado em salmouras de lítio - havia apresentado seu estudo de viabilidade em 14 de novembro de 2018, quando já estava em vigor o Decreto 793/2018. Consequentemente, os direitos de exportação estabelecidos pelo referido decreto foram incluídos na carga tributária total considerada no estudo.

A decisão reafirma que a estabilidade fiscal é calculada a partir do momento em que o estudo de viabilidade é apresentado. Entretanto, por se tratar de violação ao princípio da confidencialidade da lei, o tribunal concluiu que o imposto imposto pelo decreto não poderia ser considerado válido para fins do estudo de viabilidade, nem poderia ser incluído no regime de estabilidade fiscal previsto na Lei de Investimentos Minerais.

Em resumo, a decisão julgou procedente o pedido e declarou inaplicável o Decreto Executivo n.º 793/2018. Portanto, decidiu que os direitos de exportação ali estabelecidos não deveriam ser incluídos na carga tributária total do projeto da autora, nem na certidão prevista no artigo 10 da Lei 24.196.

Em conclusão, a jurisprudência destaca duas questões fundamentais:

  • Nem toda mudança tributária prejudica automaticamente a estabilidade fiscal. Deve ser comprovado que a carga tributária total foi afetada conforme estudo de viabilidade.
  • A data de entrega do estudo é o marco que consolida o escopo da estabilidade fiscal de cada projeto, separadamente nos níveis nacional, provincial e municipal.

Impacto no Regime de Incentivo ao Grande Investimento (RIGI)

A decisão ganha especial relevância quando aplicada a outros regimes que garantem estabilidade fiscal, como o recém-aprovado RIGI (Lei 27.742). Este novo quadro regulatório, que visa atrair grandes investimentos, garante durante 30 anos:

  • Estabilidade fiscal abrangente.
  • Invariabilidade regulatória em questões aduaneiras e cambiais.
  • Proteção contra novos impostos ou aumentos de taxas.

Diferentemente da Lei 24.196, o RIGI define com mais precisão o que se entende por estabilidade fiscal, estabelecendo expressamente que os beneficiários podem rejeitar qualquer aumento imprevisto de imposto ou alíquota sobre impostos existentes no momento de sua adesão.

Ou seja, não só é garantida a estabilidade em termos da carga tributária total, como também é garantido aos beneficiários o direito expresso de não pagar novos impostos ou aumentos, o que representa uma mudança significativa em relação a outros regimes.

Um aviso oportuno

Apesar das melhorias regulatórias no RIGI, é sempre prudente considerar a interpretação que os tribunais fizeram em regimes semelhantes. O precedente recente de Lithium Minera Argentina Ela esclarece os limites constitucionais da capacidade do Poder Executivo de impor impostos por decreto e reforça a exigência de respeito à estabilidade fiscal legalmente acordada.

Contar com a segurança jurídica e o cumprimento das regras do jogo é essencial para atrair investimentos de longo prazo. 

O desafio, então, é garantir que essas garantias não fiquem no papel, mas possam ser sustentadas ao longo do tempo e até mesmo por meio de mudanças de governo. O que deixará claro que a previsibilidade pretendida se tornará realidade. 


 1.Lei 27.742.

2.Data: 10/07/2012.

3. Enfatizando a linha iniciada com a decisão “Minera del Altiplano SA v. Estado Nacional – PEN e Outro”.

 4.Litio Minera Argentina SA c/ EN s/ Processo de conhecimento” – CNACAF, Sala I – 13/03/2025.

Acesse o acórdão correspondente ao processo 79382/2018, intitulado «LITIO MINERA ARGENTINA SA v. EN s/ PROCESSO DE CONHECIMENTO», expedido pela Câmara Federal de Contencioso Administrativo – Sala I



O autor é advogado, Mestre em Direito Tributário e Especialista em Direito Aduaneiro.

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